Título: O pânico da pandemia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Aqui já comentamos o exagero das informações que circulam pelo mundo a respeito da iminente ocorrência de uma pandemia da gripe aviária entre populações humanas de todos os continentes. Apesar de até agora não ter surgido comprovação da transmissão desse vírus - o H5N1 - entre pessoas, mas apenas dois casos suspeitos (o de uma filha para sua mãe na Tailândia, em 2004, e o de um irmão para outro em Hanói), divulga-se que "a qualquer momento" o vírus que infecta as aves, especialmente galinhas e frangos, pode sofrer mutação genética, virar cepa pandêmica e dizimar até 150 milhões de pessoas, em moldes semelhantes à gripe espanhola, que em 1918 matou 40 milhões de seres humanos.

Matéria da revista Veja desta semana, com vários dados e incluindo pequena entrevista com um especialista, o professor Marc Siegel, da Universidade de Nova York - e autor do livro Alarme Falso: a verdade sobre a Epidemia do Medo -, nos dá conta de que o que há de mais concreto nessa grande ameaça é o puro medo, que se alastra, este sim, como verdadeira pandemia. Diga-se, de antemão, que autoridades públicas e cientistas estão a todo momento concitando as populações a não serem tomadas de pânico - embora divulguem dados alarmistas que induzem comportamentos justamente contrários. Não é, realmente, assustadora, a possibilidade de as populações humanas serem contaminadas por doença com porcentagem de mortalidade em torno de 50% e capaz de destruir as pessoas em apenas quatro dias?

Mas "ainda que a tailandesa e o vietnamita confirmem a transmissão do H5N1 de uma pessoa para outra" - está na matéria citada, de Giuliana Bergamo - "isso não significa que o vírus tenha se transformado geneticamente num microorganismo capaz de circular com facilidade entre os seres humanos. Isso porque, em ambos os casos, a transmissão não passou de uma única contaminação - da filha para mãe, do irmão para irmão". Já o professor Siegel expõe outros argumentos que atestam o alarmismo feito em torno desse tema: para ele não há motivo para se temer a repetição de uma "gripe espanhola", porque em 1918 ainda não havia antibióticos e a maioria das pessoas que então morreram foi vítima de complicações da gripe que podemos tratar hoje. "Não havia vacina nem antivirais. Hoje podemos criar vacinas contra gripe aviária por meio da engenharia genética."

O professor Siegel também fala da inutilidade de se gastar bilhões de dólares para se estocar antivirais, como o Tamiflu - com o qual o laboratório Roche tem ganho rios de dinheiro e multiplicado seus lucros, como indicam seus balanços -, uma vez que a validade desse medicamento não ultrapassa três anos (e nada comprova que a temível pandemia venha a ocorrer, muito menos dentro desse período). Indagado se foi a intervenção das autoridades que impediu a ocorrência de outras pandemias, diz ele: "Em nenhum dos alarmes mencionados no meu livro - gripe suína, vírus do Nilo, antrax, sarampo e sars - houve intervenção significativa. Foram alarmes falsos, mesmo. Mas, mesmo assim, não concluo que não devamos tomar precauções."

Certamente as "precauções" devem ser tomadas, pelos governos, pelas comunidades científicas e pelas sociedades, em geral, tendo em vista que, graças aos avanços da engenharia genética e das inovações que permite, no campo da produção de fármacos, hoje em dia as condições de combate a epidemias são exponencialmente melhores do que aquelas de antes da invenção da penicilina, por Alexander Fleming. Mas, como adverte Marc Siegel, a maneira de evitar o pânico é fugir dos "alertas exaltados". Pois dizer que se trata apenas de uma questão de "quando" vai acontecer, e não de "se" a pandemia ocorrerá, é uma mensagem errada, visto que "pessoas não são galinhas".

De fato, é preciso combater esse fatalismo, que parece pretender transformar-nos em frangos assustados, como se fossem poucas as preocupações que temos que carregar em nossa vida cotidiana, em todas as partes do mundo - particularmente nesta em que estamos, e que mais nos interessa.