Título: Ofensiva contra os Juizados
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/10/2005, Notas e Informações, p. A3

O governo continua empenhado em alterar o esquema de funcionamento dos Juizados Especiais Federais, para compensar os benefícios fiscais que pretende conceder a determinados setores econômicos, como a isenção do Imposto de Renda na venda de imóveis, a suspensão do PIS e da Cofins na importação de máquinas e a redução do IPI para estimular a inovação tecnológica. Com a extinção da Medida Provisória 252, a "MP do Bem", ele agora quer incluir essa alteração na Medida Provisória 255, que expirará na próxima segunda-feira, caso não seja aprovada até lá. Na emenda que tentou incluir na MP 252, o governo propôs esticar ao máximo a execução das sentenças nas ações previdenciárias julgadas pelos Juizados Especiais Federais, cujo valor máximo é de até 60 salários mínimos e contra as quais não há recurso. Pela legislação em vigor, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem 60 dias para depositar o que deve, a partir da data do despacho do juiz. A idéia agora é introduzir na MP 255 uma emenda com os objetivos de reduzir de 60 para 40 salários mínimos o teto das ações julgadas pelos Juizados Federais e de estender o prazo de pagamento para oito meses.

Se for aprovada pelo Congresso, essa alteração atingirá os aposentados e pensionistas da Previdência que reclamam, judicialmente, a revisão de benefícios. Segundo estatísticas do Judiciário, do 1,5 milhão de processos previdenciários que tramitam na Justiça Federal, 95% têm valor inferior a 60 salários mínimos. Foi para julgar causas como estas, com base em rito sumário, que os Juizados foram criados.

O governo alega que, como os Juizados têm decidido contrariamente ao INSS, suas sentenças representam uma sangria para os cofres públicos, ameaçando o equilíbrio fiscal. A estimativa da Secretaria do Tesouro é que, em 2006, elas totalizem R$ 5,7 bilhões em despesas adicionais - o equivalente ao montante da renúncia fiscal prevista pela extinta MP 252.

O injusto prejuízo que a alteração defendida pelo governo pode causar a aposentados e pensionistas é só um dos lados do problema. O outro é o desvirtuamento de uma das mais bem-sucedidas experiências de descongestionamento do Judiciário. Concebidos no final dos anos 90 pelo STJ para desburocratizar a Justiça Federal, os Juizados Especiais funcionam desde 2002. Na época de sua implantação, a primeira instância da Justiça Federal estava em colapso, com um acúmulo de 3 milhões de processos, dos quais 1 milhão versando sobre questões previdenciárias de baixo valor. Já os Tribunais Regionais Federais estavam abarrotados com 960 mil processos, 30% deles relativos a matéria previdenciária.

Para chegar a um julgamento definitivo, essas ações passavam por três instâncias e eram objeto de 50 recursos, demorando sete anos para serem concluídas. Isso sem contar o tempo de execução da sentença, contra a qual o INSS podia recorrer, questionando cálculos e protelando o pagamento por mais alguns anos.

A vantagem dos Juizados Federais está na rapidez de suas decisões. Os juízes têm de realizar a primeira audiência em 30 dias após o início da ação e julgá-la em seis meses, no máximo. Prova do sucesso dessa experiência é o fato de, desde sua implantação, há três anos, a segunda instância da Justiça Federal vir registrando tendência de queda no número de processos. Além de agilizar a tramitação de processos tributários e fiscais de baixo valor, a lei que os criou acabou com a obrigatoriedade de emissão dos precatórios, a grande dor de cabeça para quem tem direito a receber créditos da União.

O governo erra ao tentar aproveitar a tramitação da MP 255 para alterar o funcionamento dos Juizados Federais, sob a alegação de que eles encurtaram os prazos de desembolso do INSS, pressionando o Tesouro. Não se justifica desvirtuar uma experiência que deu certo e condenar o País a continuar com uma Justiça emperrada, apenas para evitar esse efeito. Infelizmente, não é a primeira vez que, por causa de sua obsessão fiscalista, as autoridades fazendárias sacrificam a modernização institucional do País e tentam aplicar um calote disfarçado em quem, como os aposentados e pensionistas, precisa de tribunais rápidos e eficientes para defender seus interesses.