Título: Em feitio de assombração
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/10/2005, Nacional, p. A6

Tucanos perderam a chance de agir na hora certa no caso de Azeredo O senador Eduardo Azeredo decidiu deixar a presidência do PSDB por imposição dos fatos, quando poderia tê-lo feito por vontade própria. Por compreensão de que o uso do modo Marcos Valério de arrecadação financeira, no que tange ao financiamento de campanhas, o tornava igual a petistas envolvidos em situação semelhante.

Isso é uma coisa. A outra é o esquema de aliciamento parlamentar e distribuição de favores sob a égide do tráfico de influência que o PT montou na administração federal, transportando experiências estaduais e municipais de gravidade similar.

Há dois, três meses, a situação poderia ser posta de maneira simples assim, mas os tucanos não pensaram assim.

A bordo de sua proverbial hesitação, decidiram que se Azeredo saísse da presidência do partido naquele momento estaria se igualando a José Genoino, que havia pouco deixara a presidência do PT.

Por medo de parecerem iguais, os tucanos perderam a chance de marcar o diferencial.

Não fizeram eles mesmos a separação óbvia entre as duas situações: Genoino renunciou ao posto, ocupado interinamente no lugar de José Dirceu como Azeredo ocupou em substituição a José Serra, porque mentira sobre o aval dado a empréstimos que, na ocasião, já se revelavam inexplicáveis dentro da normalidade desse tipo de operação financeira.

Deixou a presidência do PT também porque um assessor de seu irmão deputado estadual no Ceará fora flagrado pela polícia transportando dólares de origem igualmente não explicada. Ali se revelava que o PT fazia trampolinagens financeiras sustentadas em falsas versões. A história do caixa 2 surgiu depois.

No lugar de demarcar o terreno, reconhecer a falta do senador, submeter-se ao julgamento de seus pares no tocante ao problema de Minas Gerais, o PSDB optou pelo atalho que lhe pareceu mais seguro.

Solidarizou-se com Azeredo, apoiou sua decisão de comparecer à CPI dos Correios espontaneamente para apresentar a mesma versão do chefe que nada sabe e nada vê - adotada, e aceita pela oposição, pelo presidente Luiz Inácio da Silva - e tocou a vida em frente ignorando uma lição que o cotidiano da crise deu repetidas vezes ao PT: o esqueleto posto no armário, se mal arrumado, ressuscita mais dia menos dia em feitio de assombração.

Deixaram-se tolamente subtrair em capital de autoridade para cobrar dos petistas posições mais firmes no tocante aos seus.

Vale pouco dizer agora, com a saída de Azeredo, que o PSDB está sendo firme, pois a firmeza estaria posta na ação imediata. Deixando o tempo passar, transpareceu vacilação ou, pior, presunção de inocência apenas pelo contraponto à evidência de culpabilidade do adversário.

Na dúvida sobre se Serra deveria ou não reassumir agora a presidência, a vocação ao titubeio se repetiu. Os tucanos temiam que o prefeito, na condição de presidente do partido e porta-voz das explicações a respeito do envolvimento de Azeredo com Valério, fosse contaminado pela crise.

Ou seja, de novo quase caem na esparrela de tentar disfarçar o indisfarçável, resolver o problema tentando negar-lhe a existência.

Valentias de última hora, recrudescimento dos ataques ao governo, exercício mais pesado de oposição, criação de novas CPIs e retomada de investigações antes deixadas de lado também não ajudam na recuperação do prejuízo.

Essa linha de atuação servirá para dar a impressão de que em algum momento o PSDB abriu mão de fazer o certo na expectativa de se beneficiar da dubiedade indulgente.

Boca torta

O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar, pôs na conta das manobras do deputado José Dirceu um atraso provocado, não por ação dele, mas pela proverbial inação da Câmara dos Deputados às segundas e sextas-feiras.

O relatório do deputado Julio Delgado pedindo a cassação de Dirceu só será examinado amanhã, e não há três dias, como poderia ter sido feito, porque suas excelências como sempre faltaram ao trabalho em duas sessões regimentalmente importantes para a contagem do prazo de vistas do processo pedido pela deputada Angela Guadagnin.

Não havia na Casa número suficiente de deputados, nem da oposição, para a realização das sessões. E por que não havia? Pela mesma velha justificativa de que as segundas e sextas são reservadas às visitas às bases.

Atividades estas que dizem respeito às conveniências eleitorais dos parlamentares, cujos mandatos não foram conquistados com a ressalva da semana de três dias.

Cuidar das "bases" é tarefa concernente à renovação dos mandatos e, portanto, nada tem a ver com a missão propriamente dita a ser exercida na capital da República.

Princípio

Confronto no Senado a respeito da decisão do Supremo de cassar o senador João Capiberibe pôs o plenário contra o presidente Renan Calheiros que, em sua posição de cumprir a sentença, foi afrontado quando estava apenas dono da razão de não abrir um arriscado precedente, pois o Senado é Casa revisora, mas não do Judiciário.