Título: 180 mil vivem em áreas de risco em SP
Autor: Arthur Guimarães
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2005, Metrópole, p. C3

Na Viela do Tatu, no Jardim Aurora, na zona leste de São Paulo, moradores nunca viram um tatu, mas conhecem de perto muita casa que corre o risco de sumir no meio da terra. A ruela cruza uma pequena favela erguida num barranco quase vertical, visivelmente em processo de esfarelamento, com casas escoradas de forma precária e onde a chuva provocou deslizamentos. Alguns barracos já foram soterrados no local. Os moradores continuam lá, pendurados no barro, assim como outras cerca de 36 mil famílias - 180 mil pessoas, pelos cálculos da Prefeitura - que vivem atualmente nas chamadas áreas de risco geológico de São Paulo. São lugares sujeitos a erosão mesmo com chuvas leves. Segundo as autoridades, são totalmente inadequados para se viver.

No total, São Paulo tem 562 pontos como a Viela do Tatu, que ficam em mais de 220 grandes áreas de risco onde existem favelas. Desses pontos, 315 são qualificados pela Defesa Civil como de alto e muito alto nível de periculosidade. Eles ganharam prioridade da Prefeitura, que este ano deve investir cerca de R$ 10 milhões em obras para atacar o problema, cerca de R$ 2 milhões a mais do que foi aplicado em 2004.

"Nossa meta é aumentar cada vez mais esse trabalho, que é sempre acompanhado por equipe de monitoramento", afirmou o secretário municipal de Coordenação de Subprefeituras, Walter Feldman.

RITMO LENTO

Este ano, no entanto, mesmo nessa situação precária, em plena véspera da temporada de chuvas, o governo municipal removeu apenas 887 famílias dos barrancos espalhados pela capital. Todas, segundo a Prefeitura, receberam algum tipo de auxílio moradia.

Além disso, a gestão José Serra (PSDB) executou somente 64 intervenções em favelas, como instalação de encanamentos para drenagem da água da chuva, serviços de limpeza geral e execução de obras para conter as encostas com risco de desabamento. É cerca de 20% do necessário. Assim, muitos cidadãos continuam morando em condições assustadoras.

Na Viela do Tatu, por exemplo, vive Delza, de 19 anos, com seu filho recém-nascido, em uma das casas com maior risco de ceder. De sua janela, ela só vê a descida íngreme do morro. "Dá medo." Getúlio Ricardo, líder comunitário da região, acusa o governo de descaso. "Até cansei de reclamar", afirmou.

Na base do barranco, Delza vê outra casa, construída depois que o dono, o pernambucano Edilson Nascimento, 25 anos, escavou a terra que havia acabado de deslizar lá de cima. "Tirei a terra que desceu e ergui minha casa", disse Nascimento, sem mostrar medo de morar ali, também com crianças pequenas. "Nem tenho preocupação, não. Aqui é a Viela do Tatu, senhor. E tatu não tem medo de terra."