Título: A USP, seus recursos e seu futuro reitor
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

A Universidade de São Paulo (USP) está escolhendo seu novo reitor. Na terça-feira, no primeiro turno do processo, um colégio eleitoral elegeu uma lista de oito professores-titulares, categoria à qual está restrito o cargo de reitor. No segundo turno, em 8 novembro, um colégio eleitoral mais restrito selecionará três candidatos dessa lista e um deles será indicado reitor pelo governador Geraldo Alckmin. Na segunda-feira estive na universidade, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), onde fui aluno e professor. Aposentado, formalmente saí da USP, mas ela não saiu de mim. Sempre que posso, volto para rever amigos e reviver um ambiente que só me fez bem e assim continua.

Nessa ida, participei da reunião de um conselho da FEA, integrado também por ex-professores, que funciona apenas para opinar, sem responsabilidades administrativas. O tema principal era o elogiável esforço que o Departamento de Economia dessa escola faz para ter jovens talentosos nos seu quadro docente. Isso diante de recursos escassos e do forte assédio de escolas como a Fundação Getúlio Vargas e o Ibmec. Espero que o futuro reitor dê prioridade a esse assunto na sua agenda, pois sem resolvê-lo não há como falar numa "USP de classe mundial", um desejável status que candidatos a reitor estão a defender.

Ao sair, peguei uma cópia da última edição do Jornal do Campus(JC), uma publicação da Escola de Comunicações e Artes, edição essa especialmente dedicada à eleição e às propostas dos "reitoráveis". A capa do JC estampa o retrato dos 23 professores que já exerceram o cargo, inclusive o atual. Na última página, há a opinião das entidades de professores, funcionários e alunos (Adusp, Sintusp e DCE, respectivamente) sobre o processo eleitoral.

Essa página reitera a mal assentada pretensão dessas entidades de instituir o que entendem como "gestão democrática" da universidade. Explicam a proposta a partir de contagem em que a USP teria 60 mil estudantes, 15 mil funcionários e 5 mil docentes, e os votos dessas categorias teriam peso 1, 4 e 12, respectivamente. Assim, no final das contas cada uma delas teria o mesmo peso de um terço no resultado final. Com essa regra, um conluio populista de alunos e funcionários definiria o resultado eleitoral.

Matematicamente correta para os fins desejados, na sua lógica a proposta despreza o domínio dos assuntos a serem geridos (com o que nega um dos maiores objetivos da universidade, a busca do conhecimento), a hierarquia, o mérito e outros valores que sustentam a adequada gestão de organizações, universitárias ou não. E mais: na versão em que o governo do Estado não teria papel algum na indicação do reitor, também seria desprezada a própria democracia no seu verdadeiro sentido, pois em última análise essa universidade estadual pertence ao povo que escolhe seu governador, que assim tem o direito de interferir na escolha, tal como atualmente.

Passando às propostas dos candidatos, a cada um dos cinco que estão em campanha o JC dedica página inteira com matéria própria de seus redatores, mais uma entrevista. As manchetes de uma e de outra dão o tom das propostas dos candidatos. Assim, falam de audácia na gestão, de uma USP mais atuante, da necessidade de um plano para longo prazo, do aprendizado além da sala de aula, de comissões para combater a burocracia, de "mágica com o orçamento" e da busca de um padrão internacional, este particularmente enfatizado por dois candidatos.

São questões importantes, mas não se aborda a questão crucial, a de como conseguir mais recursos para viabilizar essas e outras propostas. "Mágicas orçamentárias" têm efeito limitadíssimo com as regras atuais. Fora delas, não vejo outra saída senão cobrar anuidades dos muitos estudantes que podem pagar, e destinar ao sustento de alunos carentes um terço dos recursos assim obtidos. A cobrança de anuidades ainda é um assunto tabu na USP, mas é indispensável para enfrentar a decadência das universidades públicas, espremidas entre suas muitas necessidades e a escassez de recursos para satisfazê-las.

É claro que a USP não poderia fazer isso isoladamente, pois a providência exigiria emenda constitucional. Contudo, como universidade ainda líder do País, teria papel fundamental se assumisse essa bandeira. E não se trata apenas de garantir mais recursos, mas de aliviar uma das mais gritantes injustiças sociais brasileiras, a do custeio de estudantes das classes A e B também por contribuintes tributários das classes C e D, para os quais o acesso à USP é usualmente uma miragem, em particular nos cursos que conduzem a maior status social.

Além das dificuldades do vestibular, os jovens mais pobres precisam trabalhar para seu próprio sustento e o de sua família. A simples gratuidade do ensino não lhes garante o acesso. Em lugar dela, deveria haver alunos pagantes e estudantes pagos, substituindo a falácia do ensino gratuito.

Vendo a carência de recursos e a falta de ousadia para enfrentá-la, quando contemplo a escolha de um novo reitor minha previsão usual, infelizmente confirmada em geral, é a de que não terá condições de marcar significativamente sua gestão por um grande salto de aprimoramento da universidade, salto esse preparado a partir de uma profunda reflexão sobre a sua natureza.

Com isso, para um deles ser lembrado após sua gestão em geral se torna necessário recorrer a uma galeria de fotos de ex-reitores como a da capa do JC ora em circulação. Os retratados esforçaram-se e fizeram alguma coisa, mas muito mais teriam realizado não fora a crônica carência de recursos que enfrentaram como problema, mas sem a ousadia de buscar uma efetiva solução.