Título: Quando não há escolha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Provavelmente pela primeira vez desde que irrompeu a crise da corrupção, em maio, a palavra impeachment foi proferida publicamente no recinto do Senado. Na terça-feira à noite, quando as evidências de suas relações com o publicitário Marcos Valério finalmente levaram o ex-governador mineiro Eduardo Azeredo a se curvar aos apelos dos seus correligionários para que renunciasse à presidência do PSDB, o seu futuro sucessor Tasso Jereissati foi ao microfone prestar-lhe solidariedade. Disse, então: "O exemplo do senador Azeredo é bom para o presidente da República. Ele está sendo crucificado pelo fato de Marcos Valério ter apanhado recursos para financiar a campanha dele, pela qual não foi eleito. O que dizer do presidente Lula, que teve dinheiro do Valério numa campanha presidencial da qual saiu eleito? Tem que ter no mínimo o impeachment. Ora, o Valério, patrão do Delúbio Soares, fez a campanha do Lula. Quem apedreja o senador Azeredo deveria estar pedindo nesse momento o impeachment do Lula." A rigor, ninguém estava apedrejando ninguém.

Ao contrário: o discurso em que o tucano anunciou a sua decisão, para salvar a face de sua legenda, foi interrompido por apartes elogiosos de diversos petistas. Mais importante ainda, a probabilidade de o presidente Lula ser alvo de um processo de impeachment não ficou maior por causa da alocução de Jereissati. Setores da oposição, aliás, se culpam por ter deixado escapar o momento ótimo para isso, quando o marqueteiro Duda Mendonça, ao depor perante a CPI dos Correios, em agosto, confessou ter recebido o equivalente a R$ 10,5 milhões no exterior pelos serviços prestados ao PT na campanha de 2002.

Mas a mera menção do termo, que para muitos continua sendo tabu, dá idéia do agravamento do confronto entre governistas e oposicionistas no Congresso, desencadeado pela decisão da CPI dos Bingos de promover a acareação, afinal consumada ontem, entre o secretário presidencial Gilberto Carvalho e os irmãos do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel. Desde então, o clima político passou a ser conturbado por ameaças de ações e retaliações, camufladas, do lado do governo, pela tática do morde-e-assopra.

Ainda na terça-feira, quando expoentes da bancada tucana estavam reunidos com Azeredo para persuadi-lo a aceitar o inevitável, tocou o telefone na sala. Era o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, coordenador político do Planalto. Ele ligou para negar que o governo estivesse por trás das denúncias contra Azeredo (sobre caixa 2 eleitoral).

No afã de apaziguar os interlocutores, o ministro teve a má idéia de lembrar que PT e PSDB "são primos", dando ao belicoso líder tucano Arthur Virgílio a oportunidade de retrucar que árabes e israelenses também são primos e nem por isso deixam de se guerrear.

A conversa terminou com Virgílio informando que o PSDB fará obstrução no Senado a todos os projetos de interesse do governo. Outra investida tucana foi para recolher assinaturas para a convocação, na Casa, de uma CPI dedicada exclusivamente a apurar o uso do caixa 2 em campanhas políticas estaduais e na presidencial de 2002.

O argumento é que o PT recorre à alegação do caixa 2 para encobrir o suborno de deputados em favor do governo Lula. A separação dos ilícitos é de fato desejável, mas nem o PFL apóia a iniciativa de seus companheiros de oposição. O que salta aos olhos, em todo caso, é que a busca de verdade, com a exposição de malfeitos e malfeitores e como preliminar para o saneamento dos costumes políticos nacionais, mediante a mudança das regras do sistema eleitoral, não é o que move primariamente os parlamentares desse ou daquele lado da divisa.

Com as exceções de praxe, eles tendem a clamar por investigações rigorosas e irrestritas apenas para inibir os adversários e mantê-los na defensiva. Mas, agora, o animus aparente dos políticos coincide com os reclamos reais da sociedade. E se é impossível conhecer o que a maioria deles quer ocultar, a não ser quando se digladiam, só resta dizer: antes a radicalização do que o abafa.