Título: Fita revela preocupação com rumos do caso
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2005, Nacional, p. A5

Trechos de diálogos interceptados pela Polícia Federal, durante a investigação sobre a morte do prefeito Celso Daniel, em 2002, foram lidos pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) durante o embate entre os irmãos Daniel e Gilberto Carvalho, assessor particular do presidente Lula. O grampo revela a movimentação e preocupação de Carvalho e de outros personagens próximos do prefeito morto sobre os rumos da investigação e o impacto que o crime poderia causar ao partido. "O depoimento do Klinger foi muito calmo, muito tranqüilo, muito incisivo", teria dito - segundo transcrição da PF -, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) a Carvalho. Klinger Luiz de Oliveira Souza, citado na conversa, foi secretário de Governo de Celso Daniel e é acusado pelo Ministério Público de integrar "organização criminosa estável". Em outro ponto que o senador expôs à CPI dos Bingos, Greenhalgh teria comentado com Carvalho sobre a ida de João Francisco Daniel à polícia. "Está na hora do João Francisco ir depor e antes de ele ir temos que conversar, para ele não destilar ressentimentos." O assessor de Lula responde: "Pelo amor de Deus, isso é fundamental."

Alvaro Dias foi cobrado por senadores petistas que os grampos são prova ilícita - foram autorizados em janeiro de 2002 por um juiz estadual, a pedido da PF que na época alegou que estava investigando narcotráfico. "Não fiz nenhuma montagem ou edição", rebateu o senador tucano, neutralizando a estratégia da base aliada do Palácio, que pretendia evitar a divulgação dos diálogos.

Carvalho foi flagrado elogiando Ivone, namorada do prefeito, por uma entrevista que ela concedeu e pelo depoimento que fez à polícia. O assessor de Lula diz que ela foi "show de bola, foi brilhante em todos os aspectos". Ivone diz que "não há indícios de nada, a polícia não está preparada para nada". Carvalho alerta: "Nós seremos os próximos, eles querem destruir vidas, mataram a imagem do Celso." Depois, chama os policiais de "piolhos". Em outra conversa, entre Carvalho e Klinger, eles comentam que "há um claro diagnóstico contra o PT". O assessor do presidente diz que a polícia gosta de "plantar minhoca" contra o PT.

Ontem à noite, indignado com a revelação dos grampos e as suspeitas de que Celso Daniel foi torturado, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) fez um desabafo.

"Acompanhei todo o trabalho da necrópsia e ninguém falou em tortura", declarou Greenhalgh. "No dia seguinte ao enterro, Marisa me telefonou e disse que o Lula queria que eu fosse até a casa dele. Estavam lá o João Avamileno (vice de Celso), o José Genoino, o José Dirceu e o Gilberto Carvalho. O Lula me pediu que assumisse a missão de acompanhar toda a investigação. Eu disse a ele: 'Lula, eu largo tudo que estou fazendo, mas vou investigar todo mundo.' O Lula disse: "Faça isso, doa a quem doer". Hoje eu posso garantir que foi mesmo crime comum." Sobre os grampos: "Eu ligava quase todo dia para o Gilberto e repassava a ele dados da investigação. Quando falei em ressentimentos do João Francisco é porque ele odeia a Ivone e o Klinger. Eu falo por mim, sobre os diálogos de outros eu não posso falar."

Os promotores criminais de Santo André, que conduzem investigação sobre a morte do prefeito Celso Daniel (PT) e suposto esquema de corrupção em setores da administração, estão convencidos de que as 42 fitas com grampos da Polícia Federal podem levar a todos os envolvidos no caso.

Há dois anos, cópias de um CD com a íntegra de 82 diálogos chegaram à residência de 3 promotores empenhados na apuração. Na avaliação deles, os diálogos do CD são reveladores, mas representam apenas uma parte da interceptação.

Amaro Thomé, que integra a força-tarefa do Ministério Público para o caso, disse que a PF monitorou 160 telefones fixos e móveis durante os 2 meses e meio que se seguiram à eliminação do petista. "O que está no CD não é tudo que tem nas 42 fitas", observa o promotor. Ele já pediu à CPI dos Correios cópias das fitas sob guarda da 4.ª Vara Federal.

As gravações foram encontradas em 2003 pela Anaconda - missão da Procuradoria da República e da PF que desmantelou quadrilha para suposta venda de sentenças judiciais - na casa da ex-mulher do juiz Rocha Mattos. Quando foi preso, Rocha Mattos dirigia a 4.ª Vara.