Título: Deputados passearam por Mônaco, Turquia, EUA
Autor: Diego Escosteguy, Lisandra P. e Marcelo de Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2005, Nacional, p. A13

Revelada ontem pelo Estado, a lista das 539 viagens ao exterior acumuladas pelos deputados desde novembro de 2003 apresenta mais missões de necessidade questionável, além dos controvertidos deslocamentos para assistir futebol na Itália e para participar da Feira do Livro de Cuba. Há registro de viagem coletiva à Turquia, passeios por Mônaco e missão oficial" do deputado Ronivon Santiago (PP-AC), que enfrenta processo de cassação, às Nações Unidas, em Nova York. O deputado Ildeu Araújo (PP-SP) é a estrela de uma delas. Em julho deste ano, ele e mais quatro deputados foram escalados pelo então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), para "representar" a Casa numa feira de produtos têxteis, a "Hightex", que aconteceu em Istambul, na Turquia.

Assim como os outros quatro, o parlamentar embolsou cinco diárias de U$ 350 e teve as passagens pagas pela Câmara. Mas o que mais chama a atenção é o relatório produzido por Ildeu na volta. Como todo deputado que viaja às custas da União, ele teve que detalhar à Presidência da Câmara a relevância da viagem.

O documento, ao qual o Estado teve acesso, mostra que depois de reconhecer que não havia lá empresários, produtores ou comerciantes brasileiros do setor ou qualquer representante do governo, o deputado se dedicou a contar uma história vivida na viagem.

Começa ele: "No percurso para o evento, em um determinado dia, fizemos uma parada num grande mercado onde funcionava uma feira de jóias e, ao dirigir-nos a um stander, eu perguntei se tratava de jóias de Limeira-SP".

A seguir, ele completa. "O expositor, sem me responder, mas observando o meu título de Deputado do Brasil, logo mencionou numa mistura de língua portuguesa, espanhola e turca: Brasil, São Paulo, Severino, e a seguir escalou a seleção brasileira campeã em 1958", conta.

Ildeu demonstra afeição a Severino ao fechar o relatório. "Assim, Senhor Presidente, concluímos que, inobstante a nossa participação naquele evento, o Brasil já estava muito bem representado na Turquia, haja vista a menção do nome de Vossa Excelência por aquele turco", elogia.

A lista revela outras viagens edificantes. Também no começo de julho, o deputado Almir Sá (PL-RR) ganhou passagem e cinco diárias de U$ 350 para conferir a 16ª Sessão Anual do Crans Montana Fórum, na sofisticada cidade de Mônaco.

Na bagagem, trouxe um relatório econômico nas linhas e nos argumentos para justificar a viagem a um evento voltado para discussões econômicas européias. "As experiência vividas durante o evento e o conhecimento de casos de sucesso apresentados durante a programação, me permitiram acesso a informações que, no momento oportuno, se traduzirão em resultados práticos para o exercício do meu mandato parlamentar e do meu país", acredita.

A reportagem tentou falar ontem com o deputado Almir Sá, mas a assessoria dele informou que isso não seria possível. "O deputado está voltando agora para o Estado", explicou um assessor. O Estado informou à assessoria do deputado Ildeu Araújo sobre o teor da reportagem, mas não houve retorno.

CÂMARA / PASSAGENS/não distribuir BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados informou ontem que, dos R$ 159 milhões gastos em passagens pelos parlamentares desde 2003, R$ 4,8 milhões referem-se aos gastos com viagens em missões. O restante refere-se ao pagamento das quatro passagens mensais a que os parlamentares têm direito para ir e voltar de seu Estado.

De acordo com o diretor-geral da Casa, Sérgio Sampaio, as passagens para viagens fora da cotas estão em um contrato feito anualmente, por licitação, com uma agência de turismo, e tem um limite. Este ano, o gasto máximo é de R$ 2,6 milhões. "A licitação é feita por pregão e o critério é a empresa que oferece o maior desconto no preço das passagens. Esse ano, conseguimos 11% além do preço mínimo", disse Sampaio.

De acordo com o diretor-geral, há mais de dois anos a determinação é comprar, para essas viagens, apenas classe econômica e na tarifa mais barata possível. Em relação às diárias, a determinação de quantas o deputado têm direito é feita pela presidência da Casa. Depende da duração do evento que o parlamentar vai participar.

Já as passagens mensais para os deputados não tem negociação. Cada gabinete tem uma cota, calculada pela distância e o custo da passagem entre o Estado e Brasília, em tarifa cheia. Mesmo os parlamentares de Brasília têm direito a uma cota, de cerca de R$ 3 mil por mês. "Seria bom se pudéssemos fazer licitação para isso também, mas uma decisão do Tribunal de Contas da União determinou que a regra é essa", disse Sampaio.

Um passagem que custa R$ 300 com desconto, pode passar de R$ 1 mil em tarifa cheia. Se o deputado conseguir comprar suas passagens com desconto, o dinheiro que sobra pode ser revertido em mais passagens para o seu gabinete. Apenas no final do ano, se sobrar dinheiro, a verba volta para o orçamento da Casa.