Título: Outra reforma abandonada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Notas e Informações, p. A3

A nacrônica, detalhista, excessiva, responsável pelo alto custo das contratações e, por isso, estimuladora da informalidade e inibidora do crescimento, a legislação trabalhista precisa ser reformada, com urgência, para dar maior competitividade à economia brasileira. Mas as mudanças não serão feitas tão cedo. Para fazer a reforma, politicamente difícil, mas indispensável à modernização das relações de trabalho, o primeiro passo é reconhecer sua necessidade. Até agora, embora divergissem quanto à urgência, empresários, dirigentes sindicais mais esclarecidos e o governo concordavam nesse ponto. No entanto, o lado mais importante desse triângulo, o governo, anunciou que, simplesmente, abandonou a idéia.

A informação desanimadora foi dada pelo próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em reunião realizada há cerca de duas semanas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e alguns ministros com a bancada do PT na Câmara. A reforma trabalhista não é mais necessária, disse ele.

É surpreendente que tenha sido Palocci a fonte da informação, que a Agência Estado divulgou na ocasião e que o economista José Pastore comentou em artigo publicado no Estado de terça-feira. No governo Lula, a equipe do Ministério da Fazenda era, até agora, o principal, se não o único, centro de geração de propostas e projetos destinados a criar um ambiente institucional mais propício para a expansão da atividade econômica. A reforma trabalhista, por causa do forte impacto que pode ter sobre os custos do fator trabalho e sobre as relações entre empregados e empregadores, era um desses projetos.

Talvez mais surpreendentes que o abandono da reforma trabalhista sejam os motivos que, de acordo com deputados que estiveram na reunião, o ministro Antonio Palocci apontou para justificar a decisão. A combinação da estabilidade macroeconômica - a inflação de 2005 deve ficar muito perto do centro da meta fixada para este ano e o superávit primário será maior do que 4,25% do PIB - com os resultados das políticas sociais estaria permitindo a criação de empregos num ritmo que tornaria dispensável a reforma trabalhista.

É uma visão, no mínimo, simplista. Os números do Ministério do Trabalho mostram o crescimento do emprego no mercado formal. Mas, se a abertura de postos de trabalho mantiver o ritmo que se observa desde meados do ano passado, o Brasil levará "uns 30 anos" para acabar com o enorme mercado informal de trabalho, que abriga 47,5 milhões de brasileiros, ou 60% da população ocupada no País, como mostrou Pastore no artigo citado.

Desde a posse de Lula, sua equipe vinha discutindo com empresários e trabalhadores a modernização das relações trabalhistas. Por causa de interesses conflitantes, essa nunca foi uma discussão fácil. Nem mesmo na definição de prioridades - se a mais importante era a reforma da legislação sindical ou a da legislação trabalhista - chegou-se a acordo firme. Na avaliação do governo, havia mais pontos comuns a respeito da primeira reforma, razão pela qual, em março deste ano, enviou ao Congresso projeto de emenda constitucional sobre o tema.

Dirigentes empresariais, conhecedores das enormes dificuldades para a contratação de mão-de-obra por causa das exigências e, sobretudo, dos custos impostos pela legislação trabalhista, discordaram da decisão, por considerar mais importante a reforma trabalhista.

Por causa da resistência de parte do movimento sindical, especialmente aquela formada por sindicatos de baixíssima representatividade, e sobretudo da falta de capacidade de negociação do governo no Congresso, que a crise política acentuou, o projeto da reforma sindical parou. Noticiou-se, há algumas semanas, que o governo decidira abandoná-lo. Em seu lugar, estaria examinando a possibilidade de propor uma minirreforma sindical, por meio de projeto de lei ordinária, não de emenda constitucional.

Incapaz de fazer avançar projetos até mesmo na área em que se supunha mais preparado, a sindical, o governo do PT agora anuncia o abandono também da reforma trabalhista. Desse modo, condena o setor produtivo a continuar arcando com o custo excessivo de uma legislação ultrapassada, que impede a modernização do mercado de trabalho e retarda o crescimento.