Título: O Brasil paga as contas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Notas e Informações, p. A3

O Brasil deve gastar no próximo ano US$ 25 bilhões com a amortização da dívida externa de médio e de longo prazos, segundo projeção do Banco Central. Será a menor despesa desde 2001. O valor deverá continuar em queda nos próximos anos, se não ocorrer um novo surto de endividamento. O País pagou, no ano passado, US$ 33,3 bilhões, praticamente o mesmo total estimado para este ano. O novo quadro resulta de um enorme esforço de ajuste realizado a partir de 1999, quando se abandonou o regime de bandas e se adotou o câmbio flutuante. A dívida externa cresceu durante mais de 20 anos, até 1998, quando ocorreu a última grande crise cambial. Nesse ano, o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos passou de US$ 33 bilhões. O ataque ao desequilíbrio começou em 1999. A exportação cresceu, o saldo comercial voltou a ser positivo em 2001 e neste ano deve aproximar-se de US$ 41 bilhões. Com o fortalecimento da conta comercial, surgiu também, depois de alguns anos, um superávit em transações correntes. Essa conta inclui, além do comércio de bens, as transações de serviços e as transferências unilaterais. Fretes, viagens, lucros e juros são os principais componentes dos serviços.

Economias em desenvolvimento, como o Brasil, tendem a ser deficitárias em transações correntes. Isso ocorre de forma saudável quando o investimento produtivo é alto e o país não consegue sustentá-lo apenas com recursos próprios. Mas o jogo só é sustentável quando o buraco em contas correntes é compensado pelo ingresso de financiamentos incluídos na conta de capitais.

Esse financiamento pode ocorrer por meio de créditos, isto é, de endividamento, e também por investimentos. Créditos e investimentos, no entanto, são em geral destinados a países com as contas em ordem ou pelo menos em nítida recuperação. Nos primeiros passos para a superação de uma crise, um país depende principalmente dos próprios esforços.

O Brasil conseguiu realizar esse esforço a partir de 1999, procurando consertar ao mesmo tempo as contas fiscais e o balanço de pagamentos. O desafio tornou-se mais complexo a partir da campanha eleitoral de 2002, por causa das bandeiras tradicionais do PT. Foi preciso, com a eleição do presidente Lula, reiniciar a construção da credibilidade financeira do País. O currículo de seu partido foi a parcela mais importante da herança maldita mencionada muitas vezes pelo presidente Lula.

Com a recuperação da confiança, os créditos voltaram, assim como os capitais de risco destinados tanto a aplicações em papéis quanto a investimentos diretos.

Mas o Brasil não usou esse dinheiro para financiar a conta corrente do balanço de pagamentos. Não precisou disso, porque essa conta se tornou superavitária. Ocorreram, nesse período, mudanças importantes no financiamento externo. O setor privado rolou apenas uma parte de sua dívida. Alguns grupos aproveitaram a situação externa para obter financiamentos em condições bem mais favoráveis que as anteriores.

O Tesouro Nacional conseguiu acesso mais fácil ao mercado internacional. Conseguiu antecipar o necessário para liquidar compromissos, pagou parte da dívida externa pública e melhorou o perfil de seus compromissos. A dívida externa atingiu o pico de US$ 241,6 bilhões em 1998 e diminuiu US$ 50 bilhões até este ano. Ao mesmo tempo, a evolução das contas internas e externas tornou o País menos vulnerável.

O sacrifício criou condições para um crescimento econômico mais seguro nos próximos anos. Essas condições incluem não só o fortalecimento das contas fiscais e do balanço de pagamentos, mas também uma mudança qualitativa nas práticas de comércio exterior - e isso deverá render benefícios duradouros.

Nada prova que um menor esforço de ajuste houvesse proporcionado maiores investimentos produtivos. São esses investimentos que podem justificar um déficit em conta corrente. Esse déficit poderá ocorrer de novo, nos próximos anos, em condições mais saudáveis do que as anteriores a 1999.