Título: Protestos, só no reduto do ex-ditador
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Internacional, p. A16

Nas ruas de Tikrit e Dur, multidão empunhou cartazes contra os 'invasores' e com críticas ao governo interino iraquiano

Centenas de simpatizantes do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein fizeram ontem uma grande manifestação de protesto contra o julgamento dele em Tikrit, cidade onde ele nasceu - 180 quilômetros ao norte da capital. "Abaixo o governo traidor", "morte aos estrangeiros", "longa vida ao nosso presidente", gritavam os adeptos de Saddam marchando pelas ruas centrais da cidade. Os manifestantes, entre os quais muitas mulheres, ganharam as ruas depois da oração da tarde na principal mesquita muçulmana sunita da cidade. Carregavam cartazes com fotos do ditador deposto pelas forças anglo-americanas que tomaram Bagdá em 9 de abril de 2003. Policiais iraquianos acompanharam o marcha à distância. Não houve incidentes.

Outras concentrações de solidariedade a Saddam ocorreram só em Dur, também ao norte da capital, perto de Tikrit. Simpatizantes do antigo regime fizeram, igualmente, ruidosos protestos contra o julgamento e a invasão do país. Dur é a terra natal de Izzat Ibrahim Duri, considerado o número 2 do antigo regime.Ele continua foragido. Como em Tikrit, a manifestação ali, embora com ânimos exaltados, foi pacífica. Tikrit e Dur, bastiões sunitas, são exceções. Saddam lotou seu regime de sunitas e perseguiu a maioria xiita e os curdos.

O entusiasmo dos protestos nos bastiões sunitas contrasta com uma certa indiferença que reina até agora no restante do país. "Saddam é um homem do passado. Os iraquianos têm muitas outras coisas para se preocupar agora", disse um diplomata árabe.

No Curdistão e em cidades xiitas como Najaf e Basra, as pessoas, quando perguntadas, manifestam satisfação, às vezes júbilo, imaginando o déspota sendo julgado. Quando não perguntadas, discutem a falta de emprego, eletricidade e segurança. Não é que a dor tenha sido esquecida. Como poderiam os sobreviventes de Halabja, a cidade curda atacada com gás em 1988, esquecer seus 5 mil mortos? Como os xiitas poderiam esquecer os executados no levante de 1991, quando valas comuns estão sendo descobertas? O presidente Jalal Talabani falou por muitos quando disse que Saddam não poderia ser enforcado tantas vezes quanto merece. Mas a expectativa é pequena. Os iraquianos entenderam que Saddam estava acabado quando caiu sua primeira estátua, em abril de 2003. Mesmo sua captura, oito meses depois, foi um anticlímax: equipes de TV enviadas para filmar multidões exultantes tiveram dificuldade de encontrá-las.

Tanto as autoridades iraquianas quanto as forças da coalizão adotaram um esquema especial de segurança para garantir o andamento das audiências do tribunal especial. Dezenas de postos de controle e checagem de pessoas foram instalados em pontos estratégicos de Bagdá pelo Ministério do Interior e por unidades do Exército iraquiano. As tropas americanas também entraram em alerta. Helicópteros militares patrulham os céus da cidade.