Título: Qual é, afinal, a gravidade da doença?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Vida&, p. A18

Quão assustadora é a gripe aviária? É, como coloca Mike Davis, o autor de The Monster at Our Door (O Monstro em Nossa Porta), um "asteróide viral em curso de colisão com a humanidade"? Ou as previsões são exageradas? No domingo, o ministro da Saúde da Inglaterra e do País de Gales, Liam Donaldson, disse que a variedade de gripe aviária poderia não chegar à Grã-Bretanha neste inverno, mas que atingiria os litorais desses países rapidamente. Tendo estado na mesma enfermaria que um homem vietnamita com gripe aviária em fevereiro e acabado de visitar Cearmulia de Jos, local da mais recente epidemia na Romênia, acho que o aviso de Donaldson é justificado. O H5N1 - ou GenZ como o atual supergrupo é chamado - realmente é um vírus monstruoso. Galinhas infectadas não só morrem: elas derretem, vazando sangue em todos os órgãos.

Nas pessoas, a patologia não tem sido assim tão extremada. Mas os livros sobre gripe dizem que os humanos não deveriam de jeito nenhum pegar um vírus como o H5N1 - pelo menos, não antes deste infectar um animal intermediário. Além disso, enquanto cerca de 100 pessoas no mundo inteiro contraíram o GenZ desde que surgiu pela primeira vez, em 1997, mais de 60 morreram - taxa de mortalidade preocupante.

Não é tudo. A criação intensiva de frangos combinada ao rápido aumento das populações do sudeste asiático e das viagens aéreas internacionais criou o que um epidemiologista chama uma "perfeita tempestade viral".

Semanas atrás, David Nabarro, coordenador de gripe das Nações Unidas, falou em um total mundial de 150 milhões de mortos. A Organização Mundial da Saúde logo ofereceu uma réplica, dizendo que o número correto era de 2 milhões a 7,4 milhões.

Mas o único verdadeiro prognóstico é o de 1918. Na época, um vírus aviário adquiriu a habilidade de assumir o controle e invadir as células pulmonares humanas. A diferença é que a gripe espanhola também foi altamente infecciosa entre os humanos. Estima-se que a pandemia matou de 40 milhões a 100 milhões de pessoas no mundo inteiro. Se for levada em conta a atual população mundial, uma extrapolação direta dá 325 milhões de mortes.

Se isso não é assustador o bastante, há mais. Epidemiologistas estimam que o vírus de 1918 matou 2,5% dos infectados. Mas sabemos que o GenZ mata 70% das pessoas que infecta. Em outras palavras, o pior cenário baseado em 1918 poderia ser de 1 bilhão de mortes no mundo inteiro. Isso é o que Davis quer dizer com "monstro atrás da porta".

Só que nada disso pode acontecer. A gripe é uma das patogenias mais mortais da natureza, mas também é uma das mais destrambelhadas. Como todas as viroses, toda vez que se reproduz comete erros, alguns dos quais pode torná-la menos infecciosa. Esse é o enigma do H5N1. Pode ser uma grande ameaça à raça humana ou absolutamente nada.

Além disso, assim como o comércio global ameaça trazer o vírus para a Europa, então uma melhor vigilância significa saber o instante em que uma galinha romena ou turca fica doente. Pode parecer mórbido, mas no caso do H5N1, prevenir é se armar.

Finalmente, os políticos estão ouvindo atentamente. A lista de leituras de George W. Bush incluía The Great Influenza (A Grande Gripe), sobre a pandemia de 1918. E às vésperas do furacão Katrina, ele fez como outros governos que aumentaram os estoques da droga antiviral Tamiflu.

Então, podem ficar com medo, mas lembrem-se que ninguém entende o H5N1 tão bem para dizer o que acontecerá. E (dedos cruzados) pode nunca saber.

Mark Honigsbaum é o autor de The Fever Trail: In Search of the Cure for Malaria