Título: Lula assina acordo com a Rússia para vôo do astronauta brasileiro
Autor: Luciana Nunes
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Vida&, p. A20

Contrato também prevê modernização do Veículo Lançador de Satélite, foguete ainda em desenvolvimento

O CONTRATO: São três os acordos assinados por Brasil e Rússia: um para pesquisa de modernização do Veículo Lançador de Satélites (VLS), especialmente para desenvolvimento de um combustível líquido; formação de um grupo de trabalho com técnicos de alto nível na área espacial; e formalização da missão do major Marcos César Pontes em viagem da Soyuz PARTIDA: A viagem de Pontes deve ocorrer no dia 22 de março de 2006, provavelmente em uma missão de troca da tripulação da Estação Espacial Internacional (ISS). Ele dividirá o foguete com dois astronautas - a missão terá dez dias, oito deles na estação, que fica permanentemente na órbita da Terra

QUANTO CUSTOU: O governo brasileiro acertou o pagamento de US$ 10 milhões ao russo - metade do que é normalmente cobrado dos turistas espaciais pela agência russa Roskosmos

BAGAGEM: O astronauta poderá carregar 15 kg em experimentos, todos brasileiros, para testar a reação em um ambiente de baixíssima gravidade nas áreas de bioquímica, transferência de calor, cinética de enzimas, cristalização de proteínas e de semicondutores e de difusão térmica. Pontes também promete levar um chapéu de Alberto Santos Dumont e uma bandeira do Brasil. Ele ocupará um diâmetro de 2,2 metros dentro da cápsula Soyuz-TMA

O QUE ESTÁ NO ACORDO

O tenente-coronel Marcos Pontes, de 42 anos, primeiro astronauta brasileiro que viajará para o espaço, foi a grande estrela da formalíssima solenidade de assinatura de três acordos tecnológicos, com a presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Vladimir Putin, no Palácio do Kremlin, a sede do governo.

A parceria prevê a formação de um comitê de trabalho, que reunirá especialistas russos e brasileiros na área de astronáutica, e a modernização do Veículo Lançador de Satélites (VLS), foguete brasileiro que falhou em suas três tentativas de lançamento - a última culminou com a morte de 21 técnicos.

Mas o foco do evento foi Pontes, que carimbou seu passaporte para o espaço com a assinatura do terceiro acordo entre os dois presidentes: sua participação em uma missão russa.

Pontes, que embarca em março do ano que vem para uma temporada na Estação Espacial Internacional (ISS), mora desde a semana passada no centro de treinamento da agência espacial russa (Roskosmos), chamado Cidade das Estrelas, a 25 quilômetros de Moscou, e foi autorizado a deixar o alojamento especialmente para o encontro. Lula prestigiou o astronauta: convidou-o para a mesa principal e o apresentou a Putin.

Além de ressaltar a importância dos acordos firmados ontem, um comunicado conjunto assinado pelos presidentes Lula e Putin anunciou que "está em fase avançada" a negociação para construção do Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB), um sistema autônomo de comunicação e vigilância. Os russos já dominam a tecnologia do SGB e têm interesse em vendê-la para o Brasil, a um custo estimado de US$ 1,5 bilhão. O satélite faz parte de um programa mundial de comunicação gerenciado pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), ligada à ONU.

FELICIDADE

"Todo ser humano tem o desejo intrínseco de descobrir o que não foi descoberto. Além dos experimentos, vou levar a bandeira do Brasil e o chapéu de Santos Dumont, um herói nacional", disse aos jornalistas, explicando aos russos quem foi o "pai da aviação". "Sou o tipo de pessoa persistente, picuinha, chato. Não me dou por derrotado até acabar a guerra ou até morrer", afirmou.

Casado, pai de Fábio, de 19 anos, e de Ana Carolina, de 14, o tenente-coronel disse que, se não receber a visita da família na Rússia, só os verá em abril. "Eles estão sentindo o distanciamento, mas sempre se interessaram e gostaram do que eu faço", disse o astronauta, fã de antigas séries televisivas de ficção científica como Perdidos no Espaço, Túnel do Tempo, Terra de Gigantes e Jornada nas Estrelas.

Pontes treinou durante seis anos na Nasa, mas viu o sonho de sair da Terra ameaçado quando a agência espacial americana suspendeu os projetos de novos vôos, após o acidente com o Columbia em 2001, que matou sete astronautas. Durante um ano, Brasil e Rússia negociaram a inclusão de Pontes na próxima missão da nave Soyuz, que decolará de uma base de lançamento no Casaquistão.

Pontes sabe que viajará com outros dois colegas astronautas, mas ainda não os conhece e sequer sabe se serão dois russos ou um russo e um americano. "Caí de pára-quedas."

Sempre sereno e aparentemente impassível, Pontes reagiu com delicadeza à provocação de um jornalista russo, que perguntou se tinha escolhido a Rússia depois do fracasso do programa espacial americano. "Lido com pessoas de 15 países e para mim é um orgulho estar na Cidade das Estrelas. Na área espacial, há uma forte cooperação entre Estados Unidos e Rússia", respondeu o astronauta.

Diante das insistentes perguntas, em inglês e português, sobre como se sentia diante da realidade de ir ao espaço, Pontes respondia, calmamente: "Muito bem." Em outro momento, afirmou: "Sinto felicidade, muita felicidade. São anos de expectativa e de trabalho da Agência Espacial Brasileira neste projeto."

Pontes, que, na nave, ocupará um espaço de 2,2 metros de diâmetro até chegar à estação espacial, explicou que, dez minutos depois do lançamento, já estará na órbita da Terra. O mais demorado, disse, é acoplar a nave à estação, o que pode levar até um dia inteiro. Para comer, o astronauta brasileiro levará comida desidratada ou barras de alimentos.

Diante de tantos desafios, o tenente-coronel não se assusta com a necessidade de aprender russo em cinco meses, para ler os manuais e os painéis da nave espacial. "Não precisarei ser fluente, mas terei de aprender até certo nível", contou. Quando voltar à Terra, Pontes ainda terá de passar 15 dias no centro de treinamento, para uma readaptação, antes de poder rever a família. O astronauta, paulista de Bauru e torcedor do Santos, já sabe a primeira coisa que vai fazer quando voltar ao Brasil: "Botar a mão no chão e falar: 'essa terra é minha!'".