Título: Câmbio estimula a 'doença holandesa'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Economia & Negócios, p. B9

Fenômeno ocorre quando exportações de produtos básicos inibem manufaturados

A preocupação de que o Brasil possa retornar à era de grande vendedor de produtos primários ou pouco elaborados baseia-se num fenômeno conhecido dos economistas, e que às vezes é chamado de "doença holandesa". Isso ocorre quando países que passam por grandes aumentos das exportações de matérias-primas sofrem um processo de valorização cambial que sufoca a indústria. Para Júlio Gomes de Almeida, economista-chefe do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Industrial (Iedi), "não há por enquanto nenhum sinal de que os manufaturados estejam perdendo espaço na pauta de exportações brasileira". Segundo a Carta do Iedi, divulgada na sexta-feira, a expansão das vendas externas de manufaturados foram responsáveis por 61% do crescimento das exportações totais brasileiras de janeiro a agosto, que foi de 24% em relação ao mesmo período de 2004.

Gomes de Almeida nota ainda que 52% do crescimento das exportações de manufaturados deveu-se às vendas de automóveis, celulares e bens de capital. "São setores de alta ou média tecnologia, e que são considerados dinâmicos - onde está a primarização da pauta de exportações?", indaga o economista. Ele considera, porém, que, num prazo mais longo, a manutenção do atual nível de câmbio pode dar mais fôlego a produtos básicos.

Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), utilizou um indicador especial para captar tendências de muito longo prazo, e encontrou sinais de que a pauta exportadora brasileira pode, sim, estar voltando-se mais para os produtos primários e básicos. Ele usou uma média de dez anos, que, na sua visão, só apresenta mudanças significativas quando elas são mais do que eventos circunstanciais e episódicos. Com este critério, a participação dos manufaturados caiu de 55% para 50% da pauta entre 1999 e 2005.

Pessôa, porém, não acha trágico que o peso dos primários e básicos aumente. Ele observa que o Brasil exporta muitos tipos diferentes de produtos primários hoje em dia: quando algum, como a soja, está em baixa, há outros, como o ferro, em alta.