Título: Cresce exportação de matéria-prima
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Economia & Negócios, p. B9

Sinal de que venda de commodities está em alta pode explicar por que câmbio não muda previsão de crescimento do saldo comercial

As exportações brasileiras vão manter o crescimento em 2006, e o saldo comercial deve situar-se no mínimo em US$ 35 bilhões, podendo chegar a US$ 45 bilhões, a despeito da valorização de 22% do real desde março deste ano. O desempenho do comércio exterior, mesmo em face de um real muito mais forte do que o projetado no início do ano, é uma grande surpresa positiva que intriga os economistas e torna cada vez mais débeis as reclamações dos empresários quanto à taxa de câmbio. Os bons resultados da balança, porém, podem estar sendo acompanhados dos primeiros sinais de um retorno da importância dos produtos básicos e primários na pauta das exportações, em detrimento dos produtos industriais - uma questão polêmica, que divide economistas e empresários.

Para Josué da Silva, presidente da Coteminas, a maior e mais bem-sucedida exportadora têxtil , com o atual câmbio, "o saldo comercial dos produtos manufaturados tende a cair, de forma inexorável".

Segundo a projeção média do mercado, o saldo comercial no próximo ano deve ser de US$ 35 bilhões em 2006, com exportações de US$ 122 bilhões (ante US$ 117 bilhões em 2005) e um dólar no final de 2006 de R$ 2,41. O mercado, porém, tem sistematicamente subestimado os números da balança comercial. No início de 2005, por exemplo, a projeção das exportações e do saldo para este ano eram de, respectivamente, US$ 100 bilhões e US$ 26 bilhões (o saldo projetado agora é de US$ 41 bilhões).

O economista Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), projeta para 2006 um saldo de US$ 45 bilhões e exportações de US$ 127 bilhões. Ele frisa que este é um cálculo conservador, que supõe que o ritmo de crescimento do comércio mundial caia dos 14% dos últimos dois anos para a média histórica de 6%, que o câmbio real não sofra nenhuma desvalorização e que os preços das commodities e produtos básicos parem de subir. Na verdade, o modelo usado por Pessôa também vem sistematicamente errando para menos a projeção dos números do comércio exterior.

O boom do comércio exterior brasileiro está sendo acompanhado de mudanças no perfil da pauta exportadora, que pode explicar por que a valorização do câmbio não é tão prejudicial. Empresas como a Vale do Rio Doce, que exportam matérias-primas, estão passando por um impulso sem precedentes nas suas receitas de vendas externas, graças à explosiva demanda chinesa.

As exportações da Vale de minério de ferro estão mais do que duplicando em cinco anos, passando de 117 milhões de toneladas em 2000 para uma projeção de 244 milhões em 2005. Em termos de receita, a Vale exportou US$ 3,3 bilhões no primeiro semestre, equivalente ao total com as vendas externas em 2001.

No outro extremo, estão setores industriais, como os têxteis e calçados, atingidos pela combinação do câmbio valorizado e a competição chinesa. Na verdade, porém, como fica claro no caso da Coteminas, as exportações ainda não deram sinais de recuo, apesar das reclamações sobre o câmbio. A empresa têxtil deve exportar US$ 250 milhões em 2005, segundo Josué, "e em 2006 pode ser até que aumente". Ele acrescenta que a margem de rentabilidade caiu muito.

No caso da indústria calçadista, a situação parece pior. Entre janeiro e setembro, as exportações atingiram 145,6 milhões de pares,uma queda de 7% em relação a 2004. A receita ainda está 7% maior do que no passado, já que o preço médio aumentou. Mas a previsão inicial do setor era de que o faturamento com exportações cresceria 15%.