Título: Abate em assentamentos é o desafio
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Economia & Negócios, p. B5

Desconfiança é grande em relação ao pagamento das indenizações, mas governo quer concluir plano de emergência em até 100 dias

O plano de emergência sanitária em cinco municípios na região sul de Mato Grosso do Sul (Eldorado, Japorã, Mundo Novo, Itaquiraí e Iguatemi) inicia hoje uma fase importante. Depois dos abates nas fazendas Vezozzo e Jangada - onde o sacrifício sanitário deve ser retomado, após a liminar que vetava sacrifícios ter sido cassada pelo Tribunal de Justiça do Estado -, a Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro)terá de promover abates em vários assentamentos onde há focos de febre aftosa. O Estado quer concluir em até 100 dias o trabalho de eliminação dos animais, criação do vazio sanitário, introdução dos animais fracos (para checar a presença do vírus) e o repovoamento da área. O primeiro gado de área de assentamento que tombou foi o de Floresta Branca, entre os municípios de Eldorado e Iguatemi. Vinte e seis animais foram mortos e enterrados numa vala cavada dentro do sítio. A propriedade é de Jaime Delevati, irmão da veterinária da Iagro em Eldorado, Cássia Delevati. A agência garante que fará abates de todo o gado de qualquer propriedade que tenha pelo menos um animal doente. A questão dos assentamentos foi e será o grande desafio dos técnicos. Há muita desconfiança entre os sitiantes sobre a ação da Iagro, não apenas em relação ao sacrifício de gado das propriedades do entorno do foco, mas principalmente em quais bases se dará a indenização.

"Cheguei aqui há oito anos. Cada vaca custou R$ 1,2 mil e cada bezerra, R$ 800. A indenização que vou receber se meu gado for morto será essa?", questiona Paulo Torcatti, assentado vizinho do lote onde foram abatidos os animais. Além de impedir a comercialização de produtos da pecuária de corte e de leite, os produtores devem nesta semana voltar a exigir mais clareza sobre os cálculos que definirão o valor da indenização. A comissão formada com essa finalidade tem a participação do governo, mas também do setor produtivo.

A Iagro chegou a declarar na semana passada que o custo do abate de 5 mil animais seria de R$ 10 milhões. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) calcula ser de R$ 30 milhões. Seja qual for o valor, o fato é que em caixa existem apenas R$ 5 milhões num fundo estadual formado por taxas cobradas pela movimentação de gado. O governo federal terá de dizer qual o valor que injetará para cumprir a promessa de indenizar.

A falta de clareza quanto a este ponto pode provocar novos confrontos judiciais nesta semana. O advogado Fábio Meda, responsável pela ação que deu à Fazenda Jangada, por menos de dois dias, uma liminar que condicionava a realização de novos sacrifícios ao pagamento prévio da indenização, define hoje se tentará recuperar a liminar que recebeu do juiz Alexandre Tsuyoshi Ito, em Eldorado.

"Vamos definir na segunda-feira (hoje) o que será feito e como será feito", declarou. Nada impede que novas liminares sejam obtidas ao longo desta semana, quando boa parte dos 5 mil animais condenados à morte devem ser sacrificados.

SOCORRO AOS PEQUENOS

O socorro financeiro prometido na semana passada pelo secretário da produção, Dagoberto Nogueira, aos pequenos produtores de leite é outra iniciativa que terá de sair do papel. Com mais de 15 dias sem poderem vender a produção, é crescente a tensão nos assentamentos. Praticamente todos sobrevivem da pecuária de leite. O baixo capital de que dispõem os impossibilita de investir para ampliar a produção agrícola.

Mesmo se não tiverem o gado abatido por causa da febre aftosa, eles precisam de uma solução urgente que lhes garanta alguma renda. Na sexta-feira, o governo sul-mato-grossense informou que iniciaria o cadastramento das famílias assentadas para fazer "a compra do leite".

O fundo emergencial de R$ 500 mil, criado pelo governo de Mato Grosso do Sul, será a fonte de recurso para o programa. A previsão é que a suspensão da produção da bacia leiteira chegue a seis meses. A avaliação é que o valor será insuficiente para custear a compra de todo o leite. Apenas a produção de 10,5 mil litros de leite por mês de Japorã resulta em R$ 150 mil.

A emergência sanitária deverá adiar ainda mais a abertura dos três frigoríficos da zona tampão. Duas medidas são consideradas fundamentais para dar fôlego para as empresas. Todos os trabalhadores estão em férias coletivas neste momento e a grande pergunta é: quando começam as demissões? As alternativas em discussão são: a liberação da produção estocada nas câmaras frias e a criação do chamado corredor sanitário, pelo qual chegaria gado de fora da zona interditada e sairia carne também para fora. Isso daria giro aos frigoríficos, sem o qual não há como assegurar a manutenção de empregos.

A paralisação da economia local é um assunto recorrente entre produtores e comerciantes das cidades. O abrandamento do estado de emergência será intensamente cobrado ao longo desta semana.