Título: Governo não traduz maioria em votos na Câmara
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Nacional, p. A4

Os partidos da base do governo ficaram com 346 deputados depois do troca-troca encerrado em 1º de outubro; as oposições, com 167. Mesmo com as mudanças, a correlação de forças não se alterou e o governo teria força suficiente para aprovar com segurança até emendas constitucionais - que exigem 308 votos, três quintos da Câmara. Mas na verdade não consegue aprovar nem medidas provisórias com apelo popular ou apoio de empresários, como a MP do Bem. Por que isso ocorre depois de uma reforma ministerial em que o presidente Lula pegou um ministério de concepção petista, como o de Cidades, e deu para o PP, e repassou o da Saúde, que tem orçamento monstruoso, para o PMDB?

Para parlamentares que conhecem o Congresso e o Planalto, há algumas razões claras. A principal vem da recusa da equipe econômica de liberar emendas dos parlamentares ao orçamento da União. Faltam dois meses para o fim do ano e foram liberadas até agora apenas 12,2% das emendas. Para pressionar o governo a abrir o cofre, os parlamentares não votam os projetos de seu interesse.

Promessas não fazem mais efeito. "O governo conseguiu inocular na base aliada uma desconfiança geral. Ninguém confia mais nas promessas, porque não são cumpridas", diz o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN). "Nas reuniões com o governo, dá dó do líder Aloizio Mercadante (PT-SP). Todo mundo diz para ele que não é mais possível confiar, que está todo mundo cansado."

O deputado Moreira Franco (PMDB-RJ), que foi assessor especial do presidente Fernando Henrique no setor de liberação de emendas, acha que o governo não tem salvação. "Se fosse um problema fisiológico, as nomeações para os ministérios resolveriam. Mas o governo não tem lastro no Congresso, não conseguiu conquistar uma base confiável," diz. "Hoje a fisiologia deu lugar à luta política. Todo mundo sabe que ir para um ministério em que você não tem autonomia é um castigo."

Ministro da Previdência de Lula antes da última reforma ministerial, o senador Amir Lando (PMDB-RO) concorda. E afirma que os ministros não têm autoridade nenhuma nem estão à vontade para pressionar aliados a votar com o governo. "Hoje ocupar um ministério é ser candidato a vexame constante, porque o sujeito não tem autonomia, recebe milhares de pedidos, faz promessas em vão e passa por mentiroso."

Outro agravante na relação ruim entre o governo e os deputados foi a eleição do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para presidente da Câmara. Severino conseguiu a proeza de acabar com o Colégio de Líderes. Ouvia apenas os integrantes da Mesa, formada sem ninguém do PT, o partido do governo. Com isso, até os lobistas ficaram sem referência da pessoa a quem procurar para defender determinado projeto.

DECADÊNCIA

"Houve um processo de decadência da Câmara nos últimos meses", diz a senadora Ideli Salvatti (PT-SC). "Tem ainda o problema das CPIs. Por mais esforços que a Câmara e o Senado façam, elas atrapalham o andamento dos trabalhos." Com o escândalo do mensalão, vários deputados renunciaram para evitar a cassação ou enfrentam processo na Comissão de Ética da Câmara - Roberto Jefferson (PTB-RJ)já foi cassado. Abandonaram seus mandatos Valdemar Costa Neto, presidente do PL, José Borba (PMDB-PR) e Paulo Rocha (PA), ex-líder do PT. Podem ser degolados João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, Sandro Mabel (GO), líder do PL, José Janene (PR), líder do PP, e Pedro Henry (MT), ex-líder do PT.

Para o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), Lula perdeu o controle do Congresso. "A crise, a falha da articulação do governo, o cano nas emendas dos parlamentares, tudo isso faz com que a Câmara tome atitudes independentes, porque ninguém confia mais em ninguém. O governo não confia nos aliados, porque eles sempre vão pedir alguma coisa; e os aliados não confiam no governo, porque ele não cumpre as promessas", resume.