Título: Na Sé, ato em memória de Vlado
Autor: Rodrigo Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Nacional, p. A11

A homenagem na Catedral da Sé em memória da morte do jornalista Vladimir Herzog ontem foi uma reedição de sua missa de 7º dia, que há 30 anos uniu diferentes grupos religiosos e políticos inconformados com sua morte, sob tortura. A reação à morte de Vlado, que o regime militar anunciou como suicídio, marcou o início da luta pela redemocratização - o jornalista passou a ser encarado como símbolo da tolerância, da justiça e da busca pela paz. Além dos familiares e amigos de Vlado, o ato ecumênico de ontem, que durou quase duas horas, pôs lado a lado políticos de vários partidos, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o prefeito José Serra e o deputado Alberto Goldman, todos do PSDB, o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e os ex-petistas Ivan Valente e Plínio de Arruda Sampaio, que hoje estão no PSOL. Acolheu e deu voz aos mais variados grupos religiosos, de católicos, protestantes e judeus a xamanistas, muçulmanos, espiritualistas e hindus.

Clarice Herzog, mulher de Vlado, chorou e lembrou de d. Hélder Câmara, na época arcebispo de Olinda, a quem atribui o apoio que a fez conseguir criar os filhos e seguir a vida. "Há 30 anos ele (d. Helder) esteve aqui e não pôde abrir a boca, porque estava proibido, porque era perigoso, como o Vlado representava o perigo", disse, para em seguida, ler o poema Deve ser Pesadelo, de d. Helder à Herzog.

"Gostaria de recordar os compromissos que assumimos há 30 anos, neste mesmo local, diante dos despojos daquele que havia sido arrebatado a força de nosso meio e tinha sido caluniado de toda forma, e depois foi glorificado no Brasil e no mundo inteiro", disse d. Paulo ao iniciar o ato. Ele falou de Vlado como amigo e mártir da liberdade e da democracia. "Deus faz questão de dizer aos homens que é maldito quem mancha as mãos com o sangue de seu irmão. Então Vlado Herzog não terá morrido em vão, mas terá coroado os corações jovens para a sua autêntica missão na vida."

O rabino Henry Sobel, que junto a D. Paulo comandou a missa ontem e há trinta anos, comentou com indignação a morte de Herzog, mas argumentou que ela "surtiu efeitos positivos incomensuráveis" no País. "O maior tributo que podemos render hoje à memória do Vlado é assumir o compromisso de reagir contra a violência, contra a violação dos direitos humanos." A grande lição, continuou, foi de que "o silêncio é o maior dos pecados, o silêncio só beneficia o opressor, nunca a vida. Assumimos hoje o compromisso de nunca mais calar, o mais grave dos pecados".

Alckmin afirmou que a missa de 7º dia de Vlado foi "uma indignação santa que acabou mudando o Brasil", trazendo a democracia "que cada dia se consolida mais no País". Serra disse que "o sacrifício de Herzog representou o ponto decisivo na restauração da liberdade e dos direitos humanos no Brasil".

Os dois políticos receberam elogios de D. Paulo. "Vamos trabalhar junto com o nosso governador, que tem um grande coração, e o nosso prefeito, que tem uma inteligência privilegiada." Para D. Paulo, os políticos, "junto com o Vlado, lá de cima onde está com Deus", podem proporcionar "a paz e o desenvolvimento indispensável para que os homens sejam felizes".

Ivo Herzog, filho de Vlado, que na época de sua morte tinha 8 anos, elogiou o ato e pediu que a mensagem de luta pela paz e pelos direitos humanos seja disseminada. "A violência hoje é outra, passou para um caráter mais social, mas a luta é sempre a mesma, pela dignidade humana", disse. "Muitos que estão aqui hoje ou que ouvem sobre o meu pai nem viveram na sua época, mas percebem que é muito importante e reconhecem o legado que ele deixou."