Título: 'Rainha Cristina' se torna presidenciável
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Internacional, p. A12

"Rainha Cristina." É desta forma, uma alusão ao filme de 1933 sobre a rainha Cristina da Suécia, uma dura mulher de caráter determinado, protagonizado por Greta Garbo, que a vaidosa Cristina Fernández de Kirchner admite que gosta de ser chamada. Mais do que nunca, desde ontem à noite ela ostenta esse título, já que foi a grande vitoriosa das eleições legislativas ao infligir dura derrota ao aparelho político do casal Eduardo e Hilda Chiche de Duhalde na Província de Buenos Aires. Segundo pesquisas de boca-de-urna, Cristina, candidata à reeleição no Senado, conseguiu vantagem de 20 pontos sobre Hilda - que, apesar disso, também garantiu uma das três vagas no Senado pela província.

Antes das eleições Cristina já era uma figura de enorme influência nas decisões do governo de seu marido, o presidente Néstor Kirchner. Agora aumenta o protagonismo da primeira-dama, a nova estrela da política argentina. Ela já é cotada para suceder a seu marido na eleição presidencial de 2007. Ou, dependendo do cenário político, para ser candidata em 2011. Fontes da Casa Rosada sustentam que o plano do casal presidencial é o "12K" (12 anos K). Ou seja, Kirchner 2003-2007, Cristina 2007-2011; e Néstor de novo, em 2011-2015. No âmbito político portenho, nos últimos dois meses fala-se intensamente no surgimento do "cristinismo", ou seja, uma subdivisão "progressista" do kirchnerismo (representando a ala mais à esquerda, com tons de Terceira Via) fiel diretamente a Cristina Kirchner. O "cristinismo" tem como ídolo econômico o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e defende idéias neokeynesianas.

MULHERES NA POLÍTICA

Ao longo da história argentina, mulheres e filhas de presidentes foram influência determinante na política. Eva Duarte de Perón, mulher do presidente Juan Domingo Perón, nunca ocupou formalmente um posto público. No entanto, comandava a Fundação Eva Perón, que funcionava como um Ministério de Ação Social paralelo, distribuindo fundos, alimentos, remédios e casas populares. Em 1952, pouco antes de sua morte, setores do peronismo se mobilizaram para que fosse vice-presidente do marido. No entanto, o próprio Perón recusou-se a aumentar dessa forma o poder da carismática Evita.

Duas décadas depois, em 1973, outra mulher de Perón, María Estela Martínez de Perón, conhecida como Isabelita, foi eleita vice-presidente. Ela se tornou a primeira mulher no mundo a chegar ao cargo de presidente (embora pela morte do marido). Mas os historiadores são unânimes em afirmar que Isabelita - cujo governo foi um fracasso - não tinha mérito político nenhum, a não ser o de ter sido mulher de Perón.

Hilda Chiche de Duhalde chegou à política nos anos 90 por meio de seu marido, Eduardo Duhalde. Como mulher do governador da Província de Buenos Aires, ela se tornou a chefe de uma imensa rede assistencialista. Em 1997, liderando a lista de deputados peronistas, protagonizou a maior derrota da história do partido. Quando seu marido foi empossado como presidente provisório, ela se ocupou novamente dos assuntos assistencialistas.

Cristina Kirchner é a primeira primeira-dama que atua na política, mas sem ter crescido sob a proteção do marido. As carreiras de ambos correram de forma paralela nos últimos 20 anos. Segundo os analistas, até a eleição presidencial do marido, ela havia tido mais protagonismo político nacional do que o próprio Kirchner. É também a primeira primeira-dama com carreira universitária.

A jornalista investigativa Olga Wornat, biógrafa de Cristina e autora do livro Rainha Cristina, indica que ela é "uma rainha dourada de um país sem monarquia, uma fêmea indomável, inteligente, polêmica, transgressora e ambiciosa como nenhuma outra após Eva Perón". A dupla Cristina-Néstor, segundo Wornat, é "um poderoso dueto que sabe o que quer".