Título: 'Casal K' vence e já pensa em 2007
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Internacional, p. A12

O presidente Néstor Kirchner e sua mulher, Cristina Fernández de Kirchner - o chamado "casal K" - despontaram ontem como os vencedores das decisivas eleições legislativas. A vitória foi proporcionada pelos 20 pontos de vantagem que a primeira-dama, candidata ao Senado pela poderosa Província de Buenos Aires, teve, segundo boca-de-urna, sobre sua rival, Hilda Chiche de Duhalde, mulher do ex-presidente Eduardo Duhalde, ex-padrinho de Kirchner e seu maior rival. Os analistas políticos destacaram que Kirchner teve o virtual "segundo turno" que não ocorreu em maio de 2003, quando - diante da renúncia de seu inimigo Carlos Menem à segunda rodada nas urnas - assumiu a presidência da república com apenas 22% dos votos.

Além disso, os analistas sustentam que estas eleições marcam o nascimento do "kirchnerismo", em detrimento do "duhaldismo" - a tendência dentro do Partido Justicialista (peronista) comandada por Duhalde. De quebra, graças à vitória na Província de Buenos Aires, no âmbito político já se começa a especular sobre a reeleição do presidente em 2007.

Ao redor de 65% dos 26 milhões de eleitores compareceram às urnas para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. O peronismo apresentou-se dividido em três facções.

De um lado estavam os peronistas kirchneristas, reunidos sob a sigla da Frente para a Vitória (onde, além de peronistas, havia integrantes de outros partidos). Por outro, os peronistas duhaldistas, majoritariamente concentrados na Província de Buenos Aires. E ainda havia os peronistas independentes, espalhados em diversas subfacções pelo país.

Kirchner espera conseguir um a sólida base própria na Câmara de Deputados. O governo calcula que a contagem final de votos indicará que o presidente terá cem deputados ferrenhamente fiéis (isso implicaria um aumento do número kirchneristas, calculado em 50 leais deputados na Câmara de 257 cadeiras).

No entanto, para ter maioria absoluta na Câmara, Kirchner precisa de 129 deputados. Para isso, espera contar com o apoio de peronistas independentes, de um pequeno grupo de deputados da União Cívica Radical (que já foi a maior rival do peronismo) e deputados socialistas.

Além disso, não descarta atrair diversos deputados duhaldistas, bancada que das atuais 36 cadeiras que possui poderia ficar com menos de 30. Os analistas afirmam que poderia haver um êxodo das fileiras de Duhalde em direção a Kirchner. O clima de abandono do ex-presidente ficou claro no comício de encerramento, quando, dos antigos 75 prefeitos duhaldistas da Grande Buenos Aires, só 10 estavam presentes. "Os duhaldistas, como bons peronistas, são como o girassol... viram-se na direção de onde vem a luz do sol", afirma com ironia um veterano peronista, destacando o pragmatismo descarado que caracteriza o partido.

No Senado, Kirchner reforçaria a atual posição. Ele tem maioria absoluta e ainda conta com três senadores extras (40, de um total de 72).

Classe política continua a mesma, apesar de protestos

BRADO: "Que todos vão embora!" era o grito de protesto de centenas de milhares de argentinos em dezembro de 2001 e janeiro de 2002. Com esse brado, a população colaborou na queda dos presidentes Fernando de la Rúa e Adolfo Rodríguez Saá. Mas, quatro anos depois, a classe política continua a mesma, segundo relatório da Fundação Bicentenário. "A única mudança é que alguns deputados viraram ministros, deputados viraram senadores ou vice-versa", diz a fundação. No governo Kirchner, só o secretário de Cultura, José Nun, nunca tinha tido atividades políticas. Os 23 governadores eleitos em 2003 são políticos de longa data.