Título: Qual é pior: inflação ou violência?
Autor: Rubens Penha Cysne
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Economia & Negócios, p. B2

A violência se relaciona de várias formas com a vida dos cidadãos e, desta forma, com a ciência econômica. Em primeiro lugar, cai a expectativa do tempo de vida (espera-se, na média, morrer mais cedo); segundo, uma parcela substancial de recursos da sociedade passa a ser desperdiçada para que alguns indivíduos se protejam diretamente da ação de outros (guarda-costas, cercas, alarmes, câmeras, seguranças, etc.); terceiro, cai a previsibilidade sobre data de morte ou invalidez, o que gera maiores custos de seguro, interfere na formação de poupança, de investimento (em particular, em capital humano) e reduz o crescimento econômico; quarto, há os custos públicos de prevenção ao crime, de julgamentos e de manutenção (e controle) do sistema penitenciário; quinto, imóveis, comércio e outros investimentos fixos são negativamente afetados quando há violência na vizinhança (como exemplifica o caso de vários bairros do Rio de Janeiro); sexto, há os custos médicos e os custos decorrentes de paralisação para a recuperação daqueles afetados ou envolvidos pela criminalidade, aí incluídos os drogados; sétimo, todos os procedimentos que envolvem indivíduos se relacionando com indivíduos passam a exigir uma coleta muito maior de informação, tornando procedimentos corriqueiros muito mais complicados (senhas superpostas para operações bancárias em caixas eletrônicos e na rede de Internet, checagens intermináveis em aeroportos, etc.).

Somem-se a estas sete categorias os custos de bem-estar, que variam de indivíduo para indivíduo, portanto, de mais difícil mensuração econômica. Enquadram-se neste tipo os custos da permanente sensação de medo e preocupação com relação a si mesmo, ao seu grupo familiar e a seu grupo social, a ameaça ao direito de ir e vir, bem como a dor direta causada pela violência, apenas conhecida por aqueles que passaram por tal experiência. Incluem-se aqui não apenas as perdas de entes queridos e as perdas materiais diretas geradas pela violência, mas também as perdas de ordem indireta e psicológica daqueles que foram vítimas de algum crime.

Uma pergunta que os economistas tentam responder é a seguinte: de quanto os habitantes de uma certa sociedade estariam dispostos a abdicar, em termos de renda, para se livrar de um mal comum? A resposta é razoavelmente conhecida, por exemplo, no caso em que este mal comum é a inflação.

Para os Estados Unidos, por exemplo, estima-se que uma inflação em torno de 10% ao ano gere custos de bem-estar em torno de 1% do produto interno bruto (PIB). No Brasil, para uma taxa média anual de inflação de 97% entre 1947 e 1993, este número sobre para 3% da renda. Nos momentos de mais alta inflação, este custo sobe para 8% do PIB. Grosso modo, isto significa que os brasileiros, ao longo do período de alta inflação, estariam dispostos a abdicar de algo entre 3% e 8% de sua renda para se livrar da perda constante de valor da moeda.

Sobre os custos da violência, as estimativas econômicas não são ainda bem conhecidas e alicerçadas. Consideremos, para simplificar, apenas o custo decorrente da influência negativa da violência sobre o tempo de vida médio da população. Qualquer tentativa de se mensurar esta perda apresenta sérias dificuldades. Primeiro, porque dependerá de a violência afetar mais os mais jovens ou os mais idosos. Segundo, porque, em termos da agregação de bens e serviços ao País, o custo diferirá em razão do nível de escolaridade e aptidão daqueles que têm sua vida reduzida. Uma análise superficial da questão sugere que no Brasil os mais jovens e de mais reduzida escolaridade são os mais afetados pelas mortes violentas. Abstraindo a análise de fatores não-econômicos, isto eleva o custo em conseqüência do primeiro parâmetro (juventude) e o reduz em razão do segundo (baixa escolaridade).

A despeito de todas estas dificuldades de mensuração, admite-se para o Brasil, em geral, um custo de queda da expectativa de vida ao redor de 4% do PIB. Trata-se, apenas este, de um custo superior ao custo médio da inflação no período 1947-1993. Quando se consideram todos os demais custos da violência descritos acima, entretanto, incluindo aqueles mais subjetivos e de difícil mensuração econômica, estima-se que os prejuízos da violência para o Brasil superem, hoje em dia, e em muito, os custos de bem-estar outrora gerados pela inflação. Mesmo quando a comparação é feita com os períodos em que a variação de preços foi a mais intensa (como antes do Plano Real).