Título: Lula e o serviço público: mais greves
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Economia & Negócios, p. B3

O governo Lula virou vidraça. Com origem no movimento sindical, a gestão de Luis Inácio Lula da Silva se depara com uma eclosão de greves do funcionalismo público federal cuja principal característica tem sido a longa duração. Desde 1991, no governo Collor, quando 42 greves paralisaram o serviço público federal por mais de 5 mil horas, não havia sido registrada uma interrupção como a de 2004, de 4 mil horas em 31 diferentes greves. Os dados são do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). O total de greves no País no ano passado foi de 302, mais da metade (158) nas administrações públicas federal, estaduais e municipais. Os dados preliminares de 2005 indicam 124 greves de janeiro a agosto, mas ainda não foi feita a tabulação separando os serviços público e privado. Mas os movimentos recentes mostram que a tendência de longevidade permanece. Na sexta-feira, os funcionários do Banco Central encerraram uma greve de 33 dias, a mais longa de toda a história da instituição, de acordo com o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Banco Central (Sinal).

Para o membro da executiva da Confederação dos Servidores Federais Edison Cardoni, um dos coordenadores da greve do BC, a onda grevista é uma reação natural à quebra de expectativas em relação à gestão do PT. "A diferença entre este governo e o anterior é que um canal de negociação foi aberto com os servidores. Porém, o governo não está correspondendo à grande expectativa que havia. Negocia, com a marca da instransigência, a partir da manutenção da política econômica do governo anterior. O argumento da austeridade fiscal parte da imposição de uma política que derrotamos nas urnas, ressuscitada pelo governo."

O governo petista enfrenta dificuldades semelhantes às de seus antecessores: uma folha de pagamentos inflada e disponibilidade orçamentária insuficiente para aumentar gastos. De acordo com o Ministério do Planejamento, as despesas com pessoal este ano chegarão a R$ 98 bilhões e crescem 10% ao ano. A previsão para 2006 é de gastos de R$ 108 bilhões com servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, militares e aposentados e pensionistas. Na comparação, os gastos com investimentos perdem feio: a estimativa para este ano beira os R$ 70 bilhões.

GLOBALIZAÇÃO

A liderança do setor público no movimento sindical não é apenas uma singularidade do mercado de trabalho brasileiro, mas um fenômeno do mundo globalizado, explica o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, autor do livro "O destino do sindicalismo", no qual analisou a situação nos países capitalistas desenvolvidos.

"É mais fácil fazer greve no setor público. Primeiro porque o patrão é o Estado e é eleitoralmente ruim para o governo não atender às reivindicações dos funcionários. Segundo, porque os servidores são mais protegidos que os trabalhadores privados. Só que no Brasil há um certo exagero. No setor público não há desconto de dias parados, não há punição para a greve, que vira um prêmio: o funcionário não trabalha e recebe. A reposição das horas paradas é muito chinfrim. Agora, a facilitar ainda mais a greve no setor público temos um governo que teve, segundo disse Lula no início da gestão, um terço de sua formação vinda do movimento sindical. Isso também facilita a explosão de greves", afirma Rodrigues. Para ele, o comportamento dos grevistas depende diretamente "da tolerância de quem está no governo".

Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Dieese - instituto que serve de base de dados estatísticos do movimento sindical e do mercado de trabalho - reconhece que as paralisações no serviço público são tradicionalmente mais longas, mas acredita que há outra explicação.

"O setor privado tem urgência maior (de retorno ao trabalho) porque a perda econômica é mais imediata. Mesmo no funcionalismo há diferenças. Petroleiros e professores, por exemplo, não têm a mesma pressão econômica." Ele também considera previsível a pressão dos sindicatos sobre o governo Lula. "É evidente que, em relação a este governo, as expectativas eram maiores, mas as demandas do funcionalismo ultrapassam uma década de lutas."