Título: O Conselho fez justiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2005, Notas e Informações, p. A3

As manobras para adiar o inevitável deram em nada: o Conselho de Ética da Câmara aprovou ontem, por 13 votos a 1, o parecer do deputado Júlio Delgado, relator do processo aberto contra o ex-ministro José Dirceu por quebra de decoro parlamentar. Delgado pediu a sua cassação e suspensão dos seus direitos políticos em razão do seu envolvimento no esquema de suborno de parlamentares para beneficiar o governo. Foi "sob os auspícios" do então temível titular da Casa Civil do Planalto, assinalou o relator, citando "evidências irrefutáveis", que o PT e políticos de outros partidos firmaram acordos marcados pelo que chamou, eufemisticamente, "forte viés econômico". O último ato do drama protagonizado pelo condutor político da eleição de Lula e do projeto da entrega da administração federal ao seu partido - para que se perpetuasse no poder até onde a vista pudesse alcançar - está marcado para 9 de novembro, quando a cassação de Dirceu será submetida ao plenário da Câmara dos Deputados. A possibilidade de que a decisão do Conselho seja então revertida é negligível, apesar da disposição de luta do acusado. Além disso, ele deverá responder a processo na Justiça Federal por atos de improbidade administrativa - tráfico de influência em favor do seu filho José Carlos, a fim de alavancar a sua eleição a prefeito do município paranaense de Cruzeiro do Oeste, em 2004.

As juras de inocência de Dirceu jamais se sustentaram. Não bastassem as conexões desvendadas pelas CPIs sobre o imprecisamente chamado mensalão, "a mera lógica humana", como argumentou Delgado, "permite afirmar que Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem". Só se José Dirceu de Oliveira e Silva fosse a antítese do dirigente político cuja ambição, temperamento e modus operandi são amplamente conhecidos e incontroversos, seria admissível que, como "primeiro-ministro" de Lula, não estivesse a par, no mínimo dos mínimos, do que faziam o tesoureiro petista Delúbio Soares - hoje bode expiatório da corrupção petista - e seu comparsa Marcos Valério.

Já se perdeu a conta do número de vezes em que ele disse que querem condená-lo pelo que representa. Nesse caso, porém, não se aplica o infame dito de Joseph Goebbels, o ministro de Propaganda de Hitler, segundo o qual a repetição de uma mentira a transforma em verdade. A idéia pode ser confortadora para Dirceu, supondo que nela acredite. Mas é claro como o dia que ele está sendo condenado pelo que fez.

A rigor, o processo contra Dirceu é um anacronismo. Não fosse o golpe de mão que impediu a instalação da CPI dos Bingos no ano passado, ele teria acabado no banco dos réus, pelo menos no âmbito do Legislativo, por sua cumplicidade com o assessor parlamentar Waldomiro Diniz - que deu origem ao neologismo Waldogate quando se divulgou o vídeo em que ele, então diretor da Loterj, aparece extorquindo um negociante do ramo da batota, para o caixa 2 de candidatos petistas. Amigo e protegido de Dirceu, com quem chegou a coabitar, Waldomiro fez das suas não apenas naquele episódio: como subchefe da Casa Civil conseguiu que a Caixa Econômica renovasse um desnecessário e oneroso contrato com uma empresa de jogos.

Mesmo que se admita que Dirceu ignorasse as ações de Waldomiro em 2002, é literalmente incrível que não estivesse a par - no mínimo dos mínimos, repita-se - das traficâncias do seu subordinado, em benefício próprio e, sobretudo, no esquema de domesticação da Câmara para servir ao Planalto.

Vieram a calhar, a propósito, as recentes descobertas da participação de Waldomiro no ajutório do pai para o filho José Carlos: o assessor do ministro era quem ordenava aos funcionários da Casa Civil que cuidassem dos interesses de Zeca Dirceu, como é conhecido. Embora, perto do resto, isso não passe de um pecado venial.

Diz-se que Lula não moveu um dedo para salvar o deputado porque, cassado, ajudará a reeleição, desempenhando nela o papel de mártir. Já a sua absolvição indicaria que o presidente compactua com a impunidade. Seja como for, o que conta é que o Conselho de Ética fez justiça.