Título: Sinais de gastança
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Prometer é fácil, mas é cada vez mais difícil acreditar na manutenção da seriedade financeira no próximo ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputar oficialmente a reeleição. Ele repetiu a promessa no Rio de Janeiro, ontem, mas seria mais convincente se acolhesse a proposta de um plano fiscal de longo prazo apresentada pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Antonio Palocci.

A proposta foi levada na quarta-feira à Câmara de Política Econômica, reunida no Palácio do Planalto. A idéia inicial era expor a idéia ao presidente, mas ele não apareceu na reunião, preocupado, segundo assessores, com a acareação de seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, com os irmãos de Celso Daniel, o prefeito assassinado de Santo André.

Não precisou, portanto, envolver-se pessoalmente na derrota inicial imposta aos ministros do Planejamento e da Fazenda. Cuidaram disso os principais opositores da política de controle dos gastos públicos, linha de frente da campanha para a reeleição.

O assunto será discutido novamente, mas, por enquanto, a maioria da Câmara de Política Econômica rejeita a proposta de elevação do superávit primário de 4,25% para 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) entre este ano e 2008. O superávit primário é calculado sem o pagamento de juros e serve para o governo liquidar os compromissos financeiros e reduzir o peso de sua dívida.

Não há nada excepcional na idéia de um excedente primário equivalente a 5% do PIB. O resultado de 2005 está próximo desse nível e não será preciso gastar menos, nos próximos anos, para manter esse padrão. Isso foi mostrado em recente trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Sem maior sacrifício, um superávit dessa ordem permitirá conduzir as contas públicas ao equilíbrio em 2008, se a economia crescer em média 4% ao ano durante esse período.

Um compromisso de longo prazo - este é o ponto central da proposta - daria maior segurança ao empresariado e ao mercado financeiro. Estabeleceria um horizonte para o planejamento do setor privado e contribuiria, se nenhum acidente ocorresse, para uma redução mais veloz dos juros pagos pelo governo e pelas empresas.

Mas os colegas de Antonio Palocci e de Paulo Bernardo rejeitam a idéia. Já aceitam com evidente má vontade a meta de 4,25% adotada oficialmente para este ano e não iriam admitir um objetivo mais ambicioso.

A oposição a uma política fiscal mais ambiciosa tem sido liderada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pelo ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, e pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Em vez de maior austeridade fiscal, defendem maiores gastos, a começar pelos programas sociais. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Furlan, também resistiu ao plano, criticando especialmente a idéia de redução da alíquota da CPMF de 0,38% para 0,08% até 2013. Ele defendeu, segundo uma fonte, a manutenção da alíquota para aplicação do dinheiro em infra-estrutura.

O plano apresentado pelos ministros do Planejamento e da Fazenda não exclui maiores investimentos públicos. Aplicado corretamente, dará ao governo maior liberdade para manejar as verbas, diminuindo as vinculações e tornando o orçamento mais flexível. Sua aprovação é politicamente difícil, mas nenhuma alteração fiscal importante se faz sem muita negociação.

Se o governo resolvesse lutar por um plano fiscal de longo prazo, neste momento, transmitiria ao País e ao mundo a melhor mensagem possível às vésperas de uma campanha eleitoral. A resistência a uma proposta desse tipo envia um recado oposto: diante das eleições, Brasília até poderá buscar superávit primário de 4,25%, mas sem dar a mínima atenção à qualidade do gasto público. A execução do orçamento terá objetivos eleitorais e qualquer folga financeira criada pelo crescimento econômico será usada para atrair alianças políticas. Se não for essa a idéia do presidente, ele terá de agir com rapidez para desfazer a impressão de que é.