Título: Greve se arrasta. Receita vira caos
Autor: Adriana Fernandes, Paulo Baraldi
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2005, Economia & Negócios, p. B12

Estimativa é de que 30 mil processos estejam parados em SP e levem 6 meses para serem normalizados

A greve dos técnicos da Receita Federal está transtornando a vida do contribuintes e dificultado a abertura de empresas. Só no Estado de São Paulo estima-se que haja 30 mil processos parados, principalmente para emissões de CNPJ e certidão negativa. Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal (Sindireceita), Paulo Antenor de Oliveira, serão necessários seis meses de trabalho para recuperar o prejuízo da paralisação.

Conforme o sindicato, 70% dos 6,5 mil técnicos aderiram à greve em todo o País. O restante trabalha para cumprir determinação judicial de manter os serviços essenciais. A paralisação completa hoje 78 dias. Se somado todo o período desde que teve início, em 20 de julho, são 105 dias.

As mais prejudicadas são as empresas ou quem pretende abrir uma. O diretor-comercial da Confirp Consultoria Contábil, Delso Viana, diz que o escritório tem 250 processos na Receita aguardando "algum sinal". "O que a Confirp está passando é um reflexo do que todas as empresas passam. Se com 100% trabalhando já havia uma defasagem, imagina com 30%."

Viana explica que há processos por diversos motivos: abertura e encerramento de empresas, alterações contratuais, certidões negativas, revisão de débitos ou baixa de débitos e até segunda via de documentos.

"Esses processos estão na Receita desde o início da greve e não estão aceitando mais nenhum", contou Viana. "A greve está causando uma série de prejuízos, principalmente para as empresas que estão em fase de abertura, pois já locaram o imóvel e têm custos."

Na Rochas Assessoria Contábil também há problema de abertura de empresas. Segundo o assistente de Departamento Pessoal, Luiz Carlos Rosa, pelo menos quatro interessados aguardam o fim da paralisação. Ontem, Rosa chegou às 8 horas à Receita, em São Paulo, para apresentar um documento que faltava num processo de impugnação de uma multa aplicada pelo órgão. Às 9h45, ele foi embora sem resolvê-lo. "E com risco de pagar a multa", disse.

Quem também se vê em apuros é a técnica em enfermagem Suzilene Simões de Oliveira, que afirma ter ido seis vezes ao posto da Receita e não conseguiu solucionar seu problema. Ontem, ela fez mais uma tentativa, novamente frustrada.

Suzilene chegou ao órgão por volta das 7h30 para apresentar os boletos quitados de um parcelamento do Imposto de Renda. Depois de mais de uma hora na fila, ela saiu da Receita mais revoltada do que entrou. "'Só quando terminar a greve. E o atendente ainda disse que, se me inscreverem na dívida ativa, é para processar a Receita."

Cinco meses desempregado e Charles Souza Santos, de 37 anos, conseguiu um emprego. Mas precisa abrir uma conta bancária e seu CPF foi cancelado por falta de declaração de isento. Mesmo com a chuva, a alternativa de Charles foi sair às 4h30 de casa, em Santo Amaro, e chegar às 5h45 à Receita. O primeiro de uma fila de cerca 200 pessoas até as 9 horas, quando a triagem para ver quem seria atendido começou. Idosas e gestantes também tiveram de enfrentar o trajeto. "Não têm respeito. Eu vim fazer inscrição do ITR e mandaram entrar na fila", reclama a aposentada Iracema de Oliveira Guerra, 72 anos.

AVALIAÇÃO: A Receita Federal avaliou ontem como "fraca" a greve em todo o País. Segundo balanço da área de recursos humanos, a paralisação tem a adesão de 20% dos técnicos e de 5% dos auditores. A Receita informou que a greve não tem afetado a fiscalização e a área de aduanas, mas admite que o atendimento ao público em todo o País está prejudicado.

O coordenador-geral de gestão de pessoas da Receita, Moacir das Dores, informou que a greve dos auditores não tem amparo legal e o ponto deve ser cortado pelo chefe imediato.

Já os técnicos não estão sujeitos ao corte de ponto devido a uma liminar concedida pela Justiça Federal em Brasília. Moacir informou que a Advocacia-Geral da União (AGU) já recorreu contra a liminar e aguarda a decisão. Os advogados da União também têm conseguido que em alguns locais os sindicatos garantam que pelo menos 33% dos funcionários trabalhem. A Receita não tem balanço dos pontos cortados dos auditores.

Sem avançar nas negociações com o governo, os técnicos e auditores da Receita permanecem em greve por mais esta semana em protesto contra a MP 258, que criou a Receita Federal do Brasil , ou Super-Receita.

Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita (Sindireceita), Paulo Antenor de Oliveira, o prazo de validade da MP termina no dia 18, se até lá não tiver sido votada pela Câmara e pelo Senado.