Título: Os 27 meses que passamos no inferno
Autor: O vice Dick Cheney escolhe David Addington, que fe
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2005, Internacional, p. A12

Joseph C. Wilson IV, que foi embaixador dos EUA em Bagdá e desmentiu publicamente um dos argumentos de Bush para invadir o Iraque, escreveu este artigo para 'Los Angeles Times Depois da campanha de difamação de dois anos contra minha mulher e eu, orquestrada por funcionários do alto escalão da Casa Branca de Bush, é tentador sentir-se vingado com o indiciamento, sexta-feira, do chefe do gabinete vice-presidencial, I. Lewis Scooter Libby. Juntos, Valerie e eu servimos os Estados Unidos por quase 43 anos. Fui embaixador em exercício no Iraque no governo do presidente George H. Bush às vésperas da primeira Guerra do Golfo e servi como embaixador em duas nações africanas para ele e o presidente Clinton. Valerie trabalhou como agente secreta da CIA em várias missões no exterior e em áreas relacionadas ao terrorismo e armas de destruição em massa. Em 14 de julho de 2003, contudo, nossas vidas foram modificadas irrevogavelmente. Este foi o dia em que o colunista Robert Novak identificou Valerie como uma agente, divulgando um segredo conhecido apenas por mim, seus pais e seu irmão.

Valerie me disse mais tarde que foi como levar um soco no estômago.

Vinte anos de serviço foram por água abaixo. Ela começou imediatamente a compilar uma lista das coisas que precisaria fazer para limitar os danos às pessoas que conhecia e aos projetos nos quais trabalhava. Ela se perguntou como seus amigos se sentiriam ao descobrir que aquilo que pensavam saber sobre ela era uma mentira.

Foi vingança - vingança política barata do governo por causa de um artigo que eu escrevera contradizendo uma afirmação feita pelo presidente George W. Bush no discurso sobre o Estado da União de 2003. Vingança não só para me punir, mas também para intimidar outros críticos.

Por que escrevi o artigo? Por acreditar que os cidadãos numa democracia são responsáveis pelo que o governo faz e diz em seu nome. Eu sabia que a declaração no discurso de Bush - de que o Iraque tentara comprar quantidades significativas de urânio na África - não era verdadeira. Sabia que era falsa por minha própria viagem investigativa à África (a pedido da CIA) e por outros dois relatórios de inteligência similares. E sabia que a Casa Branca também sabia.

Ir a público era uma obrigação para forçá-los a confessar. Um dia depois que compartilhei minhas conclusões num artigo de opinião no New York Times, a Casa Branca finalmente admitiu que aquelas 16 palavras da declaração de Bush, agora desacreditadas, "não estavam à altura da inclusão no discurso sobre o Estado da União".

Isto deveria ter sido o ponto final. Mas os homens do presidente - supostamente incluindo Libby e pelo menos mais um (conhecido apenas como "Funcionário A") - estavam decididos a difamar e desacreditar a Valerie e a mim. Eles usaram zelosos aliados no Congresso e na mídia conservadora, a começar por Novak. Talvez o ataque mais infame tenha sido a repulsiva sugestão de Peter King, deputado republicano de Nova York, de que Valerie "teve o que merecia".

Valerie foi inocente nesse escândalo todo. Embora houvesse sugestões de que ela estaria por trás da decisão de me enviar ao Níger, a CIA declarou ao jornal Newsday, uma semana depois da publicação do artigo de Novak, que "ela não recomendou seu marido para a missão no Níger". Depois disso, a CIA repetiu a mesma declaração para todos os repórteres.

O júri de instrução agora concluiu que pelo menos um dos homens do presidente cometeu crimes. Ficamos encorajados por saber que nosso sistema judicial está funcionando e apreciamos o trabalho feito por nossos colegas cidadãos que dedicaram dois anos de suas vidas ao cumprimento do dever de jurados. Os ataques a Valerie e a mim foram desconcertantes, violentos e odiosos. Equivaleram a um assassinato de caráter. Funcionários do alto escalão do governo usaram o poder da Casa Branca para transformar nossas vidas num inferno durante os últimos 27 meses.

E o mais importante é que eles o fizeram como parte de um claro esforço para acobertar as mentiras e a desinformação usadas para justificar a invasão do Iraque. Este é o crime fundamental.

A guerra no Iraque já deixou mais de 17 mil baixas entre os soldados americanos, somando mortos e feridos, um número muitas vezes maior de vítimas iraquianas, e custou perto de US$ 200 bilhões. Ela deixou nossa reputação internacional em pedaços e nossos militares, quebrados. Enfraqueceu os EUA, aumentou o ódio contra nós e tornou mais prováveis os ataques terroristas contra nossos interesses. Ela foi, como sugeriu o general William Odom, a maior trapalhada estratégica da história de nosso país.

Não antevemos um mea-culpa do presidente pelo que seus assessores mais importantes fizeram conosco. Mas ele deve à nação uma explicação e um pedido de desculpas.