Título: Acareação não esclarece valor repassado ao PL
Autor: João Domingos e Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2005, Nacional, p. A8

Houve mais divergências do que coincidências nas versões apresentadas ontem pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares durante acareação na CPI do Mensalão. Os dois concordaram que o dinheiro do caixa 2 movimentado pelo PT e partidos aliados foi de R$ 55,9 milhões. Mas não conseguiram se entender quanto ao valor repassado ao PL. Delúbio disse que autorizou R$ 12 milhões. Marcos Valério afirmou que fez o repasse de R$ 10.837.500, em 19 vezes. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, garantiu que só recebeu R$ 6,5 milhões. Valdemar reafirmou que o dinheiro recebido por ele foi integralmente utilizado para pagar dívidas do segundo turno da chapa composta pelos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e José Alencar, do PL. "O presidente Lula iria perder o segundo turno da eleição em São Paulo para o José Serra", disse Valdemar, numa repetição do que já afirmara no depoimento anterior à CPI do Mensalão. "Tudo foi gasto na campanha dele." Mas Valdemar não conseguiu os comprovantes dos gastos, como prometera à CPI. "Ainda não tenho os recibos", disse ele.

A superacareação feita ontem pela CPI do Mensalão não trouxe novidades. Mas animou a oposição. Ao ver tanta gente falando de caixa 2, os deputados Moroni Torgan (PFL-CE) e Zulaiê Cobra (PSDB-SP) anunciaram que tentariam convencer a direção de seus partidos a pedir o impeachment de Lula.

Além dos três pagadores - Delúbio, Marcos Valério e Simone Vasconcelos, gerente financeira da SMPB, agência de publicidade de Valério -, até o início da noite tinham participado os recebedores Costa Neto e Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL. Estavam previstas ainda as participações de João Cláudio Genu, assessor do PP, Manoel Severino, ex-presidente da Casa da Moeda, e Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB.

O objetivo da acareação era investigar a diferença de valores. No caso do repasse a Costa Neto, por exemplo, há o sumiço de R$ 4 milhões. "É preciso saber o que aconteceu", disse o relator da CPI, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG). Para ele, a acareação não revelou nada de novo, mas foi importante para o seu relatório. "Poderei dizer quem cometeu crime de perjúrio e quem desviou provas."

Delúbio, expulso do PT no sábado, atribuiu a decisão partidária ao fato de ter aparecido em reportagem do Estado, há 15 dias, sorridente, com uma mangueira de água na mão e por ter dito que as denúncias contra ele vão "virar piada de salão". Mostrou-se muito afinado com Valério. Discordou dele apenas sobre um cheque para Costa Neto. De acordo com Costa Neto e Delúbio, ao receber um cheque pela corretora Guaranhuns, o presidente do PL teria reclamado e Delúbio teria ligado para Valério. O empresário negou ter recebido esse telefonema.

Valério disse que o repasse para o PL, via Guaranhus, foi de R$ 6,037 milhões. Costa Neto disse que recebeu apenas R$ 1,2 milhão. Valério afirmou que não conhecia ninguém na Guaranhus e que os cheques nominais da empresa foram repassados a pedido de Jacinto Lamas. "Eu não tinha nenhum contato com a Guaranhus. Quem indicou a Guaranhus e pediu que fossem feitos cheques nominais foi o Jacinto Lamas." Delúbio insistiu que apenas autorizava os repasses e a forma como foram feitos não eram de sua responsabilidade. Também atribuiu ao PL a responsabilidade pela utilização da Guaranhuns.

O mesmo tipo de divergência ocorreu quando foi a vez de Genu. Valério afirmou que repassou R$ 4,1 milhões ao PP; Genu, que só apanhou R$ 700 mil. Simone disse lembrar que repassou R$ 1,6 milhão a Genu ou pessoas indicadas pela direção do PP. E Delúbio, que para o PP foram destinados R$ 8 milhões: R$ 4,5 milhões para saques de Genu ou pessoas autorizadas pelo líder do partido, José Janene (SP), e o restante para o deputado Vadão Gomes(SP).

"Não recebi R$ 4,1 milhões. Só reconheço R$ 700 mil", insistiu Genu. Severino foi mais longe: disse que não recebeu nenhum dinheiro de Valério.