Título: Ser `tudo de bom¿ exige ouvir mulher
Autor: Bruno Paes Manso e Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2005, Metrópole, p. C1

É preciso se cuidar para trabalhar com Ana Paula Mesquita Lomba, gerente-geral de um grande banco, que vai toda semana ao cabeleireiro. Não é futilidade. Antes, uma questão de princípios: ela considera sua aparência e a de sua equipe atributo indispensável no trabalho.

Ana Paula lidera 5 homens e 10 mulheres. Ela sugere aos comandados marcas de cremes e sessões de limpeza de pele, o que deixa os marmanjos assustados. Principalmente quando percebem que ela fala sério. ¿Não aceito quando alguém vem com a barba por fazer. Temos um creme de barba no banheiro do banco.¿ E ai de quem se recusa a obedecer: o ogro recebe carta de advertência.

As mulheres chegaram ao poder e seus valores desestabilizam os homens. Nas universidades, elas já são 56% dos alunos e 66% dos formados. No mercado de trabalho, 40% da população economicamente ativa. E olha que ainda existem 12 milhões de mulheres chefiando famílias. ¿As mulheres inventaram o metrossexual e os novos tipos¿, diz Nelsom Marangoni, diretor executivo do Ibope Solution.

A invasão das mulheres nos terrenos masculinos tradicionais fez o homem cair do caminhão no meio da mudança. Na pesquisa da agência Leo Burnett com 2 mil homens em 13 países, isso ficou evidente. No Brasil, 53% dos homens afirmaram que hoje não têm papel social definido e não sabem o que a mulher e a sociedade esperam dele. ¿Basta acompanhar os programas da televisão para perceber a dimensão das mudanças¿, diz o psicanalista Renato Mezan. ¿Nos anos 60, era o Papai Sabe Tudo; hoje temos Sex and the City.¿

Onde uns vêem obstáculos, outros tiram vantagens. O estudante e empresário Olivier Chemin, de 22 anos, garante que a aparência bem cuidada é o motivo de sua popularidade com as mulheres. Ele faz mensalmente limpeza de pele, usa sabonetes especiais e cuida até dos pés em salão de beleza. ¿As pessoas confundem vaidade com viadagem.¿ Repele e nega veementemente qualquer rótulo. ¿Não sou metrossexual, mas um homem prevenido. As pessoas não tomam vitaminas para evitar doenças? Eu me previno para não ficar esbagaçado.¿

No passado, a posição do homem era bem definida. O patriarca dos anos 50, chefe de família numerosa, tinha sempre a última palavra. Restava à mulher o papel de mãe dedicada. No fim dos anos 60, o patriarca queimou nas fogueiras de sutiãs e viu a fertilidade ser roubada pela pílula anticoncepcional.

Para os homens dos anos 70 e 80, ainda restavam as grandes bandeiras libertárias, partidos para fundar e moinhos para combater. ¿Quando todas essas ilusões desmoronam, aparecem as dúvidas¿, diz o cartunista Miguel Paiva, criador de dois personagens que enfrentam alguns desses dilemas, a Radical Chic e o Gatão de Meia-Idade. ¿Mas ainda buscamos uma referência, um modelo, e o período que vivemos é de reflexão.¿

Abre-se espaço para uma época de experimentações e inevitáveis excessos. O cabeleireiro Jacques, dono da rede de salões Jacques Janine, está desde 1953 no Brasil e diz que o homem sempre foi vaidoso. A diferença é que agora assume. Em seus salões, eles fazem luzes no cabelo, pintam as unhas com brilho transparente e depilam o peito. ¿Eles chegam tímidos, mas depois se entregam porque percebem que aqui dentro ninguém morde.¿ Hoje, 30% dos seus clientes são homens.

Um olhar mais atento, no entanto, mostra que as mudanças caminham a passos mais lentos. A pesquisa internacional da Leo Burnett sondou os homens de São Paulo para saber em qual perfil se encaixavam.

O primeiro colocado, com 45% dos votos, foi o neopatriarca, homem que diz colocar os interesses da família em primeiro lugar. Depois existem os metrossexuais (22%), seguidos pelos power seekers (17%), para quem a carreira é a prioridade até que surge o bom e velho ogro (retrossexual) com 16%.

Mesmo o novo patriarca, contudo, exibe diferenças importantes em relação ao seu ancestral dos 50. ¿O homem deve dividir com a mulher os deveres de casa¿, diz o publicitário Marcelo Gutierrez, de 28 anos, um dos fundadores do site www.donodecasa.com.br, que divulga essa nova filosofia. ¿Quando fiquei desempregado, minha mulher, Caroline, segurou a onda. Não podemos ir contra esse poderio.¿