Título: Julgamento fragiliza o presidente
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2005, Internacional, p. A24

Em sua primeira campanha para a Casa Branca, o presidente George W. Bush assumiu um compromisso solene com os americanos. Perante um país ainda atordoado diante do embaraçoso escândalo sexual que desembocou num processo de impeachment contra Bill Clinton, ele prometeu "restaurar a honra e a dignidade" na Casa Branca. O indiciamento do chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, I. Lewis Scooter Libby, não apenas deixou em cacos a promessa como multiplicou os problemas de um governo já paralisado internamente pela divisão de sua base conservadora.

Para completar, Bush enfrenta índices crescentes de desaprovação popular por causa da guerra do Iraque, da desastrada resposta ao furação Katrina e do aumento dos preços do petróleo.

Libby é o primeiro alto funcionário da Casa Branca em 135 anos a ser alvo de uma acusação criminal no exercício de sua função oficial.

Embora ele não tenha sido acusado pelo vazamento da identidade de Valerie Plame, uma agente do serviço clandestino da CIA, este será o tema dominante de seu julgamento. A menos que Libby reconheça que é culpado e entre num acordo com a Justiça, o que certamente significará alguns anos de cadeia, seu julgamento tem tudo para transformar-se no exame público da própria decisão de Bush de invadir o Iraque numa guerra que já custou a vida de mais de 2 mil soldados americanos.

Entre as testemunhas do julgamento de Libby, estarão, com toda probabilidade, Cheney, o ex-diretor da CIA George Tenet, possivelmente o ex-secretário de Estado, Colin Powell.

A dinâmica política criada pelo julgamento poderá, segundo alguns analistas, exigir a renúncia de Cheney para preservar o governo.

Joseph Wilson , que provocou a ira da Casa Branca quando, pouco mais de um ano antes de uma eleição presidencial, levantou publicamente suspeita sobre a veracidade de uma das razões que o governo usou para justificar a guerra do Iraque - ou seja, que Saddam Hussein estava montando um arsenal de armas de destruição de massas - disse ontem, por meio de seu advogado, Christopher Wolf, que o indiciamento de Libby "é um dia triste para a América".

Wilson, disse no entanto, que a guerra do Iraque está no centro do julgamento de Libby. Foi o vazamento do nome da mulher de Wilson, a agente da CIA, Valerie Plame, que iniciou toda a investigação.

A defesa ensaiada por políticos republicanos antes do anúncio das cinco acusações que pesam contra Libby tem poucas chances de decolar.

Antecipando que ninguém seria acusado diretamente de ter violado as leis que proíbem funcionários federais de identificar agentes dos serviços de espionagem, senadores e operadores do partido conservador procuraram, ao longo da semana, descontar a importância de crimes acessórios que acabaram sendo imputados ao assessor de Cheney.

Fitzgerald respondeu que "os cidadãos que prestam testemunho a grandes júris são obrigados a dizer a verdade" e que a exigência é uma função essencial da democracia. "Sem a verdade, o nosso sistema de justiça criminal não pode servir (aos interesses) da nação e de seus cidadão".

Paul Begala, um ex-assessor de Clinton lembrou que o ex-presidente enfrentou um processo de impeachment sob a acusação de ter cometido perjúrio e tentado obstruir a Justiça para ocultar um caso amoroso e, não, como no caso de Libby, um crime potencial contra a segurança nacional.