Título: Indiciado braço direito de Cheney
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2005, Internacional, p. A24

Irving Lewis Scooter Libby, chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, seu principal assessor para questões de segurança nacional e conselheiro do presidente George W. Bush, foi indiciado ontem. O promotor Patrick Fitzgerald o acusou de ter obstruído a Justiça, prestado informações falsas a investigadores do FBI e mentido, sob juramento, a um júri federal de instrução (o grande júri) que investiga o vazamento da identidade de uma agente da CIA, Valerie Plame. Minutos depois do indiciamento, ele renunciou ao cargo de assessor de Cheney. Embora Libby não tenha sido indiciado pelo crime que provocou a investigação - ou seja, a exposição de uma agente do serviço clandestino da principal agência de espionagem do país -, o promotor lembrou que "divulgação de informação secreta sobre o emprego de um indivíduo pela CIA tem o potencial de causar danos à segurança nacional". Libby afirmou, por meio de seus advogados, que contestará as acusações. "Estou confiante de que no final desse processo serei completamente inocentado", afirmou. As reações de Cheney e Bush foram diferentes em tom e conteúdo, sugerindo que o impacto político do julgamento de Libby, que deve arrastar-se até o fim do atual governo, em 2008, pode ainda levar a uma divisão na administração.

O governo já enfrenta forte crise de credibilidade. Cheney - que aceitou, mas lamentou "profundamente" a demissão do assessor - lembrou que Libby "é inocente até prova em contrário". O vice-presidente acrescentou que seu ex-chefe de gabinete "é um dos indivíduos mais capazes e talentosos" que já conheceu. Bush qualificou a acusação de "séria" e procurou distanciar-se do escândalo.

"Ao mesmo tempo que as notícias de hoje nos entristecem, continuamos focados nos muitos temas e oportunidades que confrontam o país", disse Bush. Se condenado, Libby pode pegar até 30 anos de cadeia e terá de pagar US$ 1,25 milhão em multas.

O indiciamento comprovou mais uma vez uma verdade sobre os escândalos políticos que periodicamente abalam Washington: a exemplo do que aconteceu nos episódios do Watergate, nos anos 70; Irã-Contras, na década de 80; e o caso Monica Lewinsky, que quase derrubou Bill Clinton, altos funcionários enredam-se com a Justiça não por causa do crime que motivou o inquérito, mas pela tentativa de acobertar envolvidos e esconder fatos. No caso, o vazaram do nome da espiã num provável acerto de contas com seu marido, o ex-embaixador Joseph Wilson, um crítico da guerra no Iraque. Wilson publicara artigo no New York Times, em julho de 2003, contestando afirmação de Bush, num discurso meses antes, segundo a qual Saddam Hussein tentara comprar urânio no Níger.

Segundo o promotor, Libby foi indiciado por ter, em quatro ocasiões diferentes, dito a investigadores e perante o júri de instrução que soube por dois jornalistas - Tim Russert, o chefe do escritório da rede NBC em Washington, e Matthew Cooper, o vice-chefe do escritório da revista Time na capital americana - que Valerie Plame era agente da CIA e casada com Wilson, quando na verdade ele havia recebido essa informação de quatro funcionários do governo, a começar pelo próprio Cheney, no mês anterior. O indiciamento de Libby, no entanto, não revela quem foram "as duas altas fontes da administração" citadas pelo colunista conservador Robert Novak, que revelou que Plame trabalhava para a CIA.