Título: Montadoras fazem dossiê sobre prejuízos com 'álcool molhado'
Autor: Cleide Silva e Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2005, Economia & Negócios, p. B10

A proliferação do comércio de álcool adulterado pôs em alerta a indústria automobilística. As montadoras vêm registrando elevado índice de defeitos nos carros bicombustíveis, os mais vendidos atualmente, por causa de desgastes e corrosão de peças provocados pelo uso do combustível fora de especificações. O 'álcool molhado', como é conhecido no mercado, tem adição de água muito acima dos limites estabelecidos. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) enviou dossiê à Agência Nacional de Petróleo (ANP) apontando os problemas verificados nos carros novos. A entidade informa que, em 10 meses, as montadoras acumularam prejuízos de R$ 1,7 milhão na substituição de peças em carros que ainda estavam na garantia.

O valor é referente a casos registrados entre abril de 2004 e janeiro de 2005. Depois disso, as vendas de veículos com motores flexíveis triplicaram e as empresas calculam que as perdas acompanham essa trajetória.

O estudo foi feito quando apenas três montadoras - Volkswagen, Fiat e General Motors - tinham carros flexíveis no mercado. Foram detectados 2.534 casos de defeitos envolvendo as bombas de combustíveis, 56% deles com modelos da GM. Somente na troca desse componente foi gasto 1,57 milhão. Trocas de bicos injetores e motores consumiram mais R$ 172,8 mil.

A Região Norte é onde foram verificados mais casos de adulteração. 'O problema é muito grave e há vários tipos de adulteração', diz Carlos Henrique Ferreira, assessor técnico da Fiat. Segundo ele, nem sempre a montadora se responsabiliza pelos danos. 'Entendemos que não é um problema do automóvel, mas muitas vezes a empresa assume o custo para não prejudicar a imagem do produto.'

CORANTE

A ANP deve regulamentar até o fim do ano medida para coibir as fraudes. A proposta é adicionar um corante laranja ao álcool anidro, diferenciando-o do hidratado, que continuaria incolor. A mistura terá de ser feita pelos usineiros para evitar que empresas possam transformar o anidro em hidratado, sem especificação legal.

Para ser aprovada, a medida ainda passará por audiência pública, no dia 8. Em seguida, a agência vai avaliar as sugestões recebidas e regulamentar a adição de corante. A partir daí, os fabricantes de álcool serão responsabilizados pelas novas especificações do combustível, afirma o diretor de Tributação do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), Dietmar Schupp.

Segundo ele, hoje o produtor não é responsável pela fraude, mas, se deixar de cumprir as regras, passará a fazer parte dela. Schupp afirma que a agência reguladora somente tomou iniciativa para resolver o problema após a reclamação da Anfavea em relação ao desempenho dos carros bicombustíveis com álcool adulterado. Além dos problemas nos automóveis e da sonegação de impostos (ICMS, PIS e Cofins), a fraude também provoca concorrência desleal no setor, já que alguns pagam impostos e outros, não.

Sem a incidência dos tributos, as empresas podem vender o combustível por um valor bem menor. Esse é um dos motivos das grandes disparidades de preços nos postos.

Em São Paulo, por exemplo, o litro do álcool hidratado não sairia por menos de R$ 1,363, com todos os impostos e margem de lucro das empresas, calcula o Sindicom. Mas em vários estabelecimentos o combustível pode ser encontrado por menos de R$ 1.

Calcula-se que o País consuma cerca de 1 bilhão de litros de 'álcool molhado', num mercado de 5 bilhões de litros de hidratado.

A Volkswagen informa que trabalha no desenvolvimento de peças cada vez mais resistentes à corrosão, mas a batalha contra o combustível adulterado é difícil. 'A indústria de adulteração é muito criativa', concorda Fábio Ferreira, gerente de Desenvolvimento da Bosch, fornecedora de sistemas para carros flexíveis. Segundo ele, o problema pelo uso do 'álcool molhado' não aparece de imediato, pois estraga as peças aos poucos.

Além de mais fiscalização nos postos, a Anfavea pediu à ANP melhor equalização tributária do álcool anidro em relação ao hidratado e proibição e fiscalização da venda de álcool anidro pelas usinas. Essa é uma reivindicação também dos distribuidores.