Título: UE oferece pouco e faz exigências
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2005, Economia & Negócios, p. B18

Repleta de condicionalidades e com cortes mais tímidos do que pretende o Brasil, a União Européia (UE) apresentou ontem sua proposta de redução de tarifas de importação para produtos agrícolas.

Pela oferta de Bruxelas, as tarifas sofreriam um corte médio de 47% nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC. Apesar de ser a maior oferta já feita pela Europa, fica abaixo do que os países em desenvolvimento e Estados Unidos propunham. A proposta ainda exige que outras economias, principalmente Brasil, Índia e China, abram seus mercados para produtos industriais e serviços dos países ricos.

Peter Mandelson, comissário de Comércio da UE, deixou claro que esse seria o corte máximo que a Europa poderia oferecer à OMC na agricultura. Ele participou ontem de uma videoconferência com ministros dos Estados Unidos, Índia, Austrália e com o chanceler brasileiro, Celso Amorim. Mas antes mesmo da conversa com os demais governos, os americanos e indianos já indicaram que não gostaram da proposta da UE. "Estamos desapontados", afirmou um porta-voz da Casa Branca. Curiosamente, a França também questiona a proposta, mas nesse caso por prever cortes além do que Paris gostaria de ver.

A 45 dias da reunião ministerial da OMC em Hong Kong, os países estão distantes de um acordo e muitos já temem por um fracasso do encontro que teria como objetivo fixar o ritmo da liberalização comercial.

Pela proposta européia, as maiores tarifas aplicadas sobre produtos agrícolas seriam reduzidas em 60%, e as mais baixas em 35%. O corte médio, portanto, seria de 46%. Há um mês, a Europa havia apresentado outra proposta que garantia apenas um corte médio de 24% nas tarifas, o que foi rejeitado pelos demais governos. A nova proposta também estabelece um teto de 100% para todas as tarifas, mas abre espaço para que cerca de 200 produtos sejam mantidos com proteções extras, entre eles o açúcar. Os americanos atacaram ontem mesmo essa proteção extra e acreditam que o número de produtos considerados sensíveis não pode passar de 20.

Os europeus optaram por argumentar que o corte proposto é maior que o que ocorreu na Rodada Uruguai, nos anos 90. Mas diplomatas se apressaram em lembram que esse corte foi considerado "migalhas dadas pelos países ricos aos países em desenvolvimento". Washington recusa a oferta pois ela sugere um corte inferior ao que propõe o G-20 (grupo formado por Brasil, Índia e China) de 54% e muito inferior ao corte de 83% proposto pela Casa Branca.

Na avaliação da UE, se os cortes propostos pelos americanos fossem aceitos, os efeitos seriam "devastadores" e haveria uma séria perda de postos de trabalho. "Nunca algum setor foi jamais exposto a cortes tão duros numa rodada de negociações. Pedir que a Europa faça esses cortes não é uma posição negociadora realista", afirmou a UE. Mas para o governo americano, se o acordo da OMC não for além do que propõe a UE, todas as demais áreas da negociação - industriais e serviços - terão aberturas tímidas.

CONDIÇÕES

Mas a lógica européia é exatamente contrária. "Os demais países precisam entender que essa oferta é estritamente condicionada a um avanço imediato nas negociações sobre produtos industriais e serviços. A proposta, portanto, não ficará sobre a mesa se não tivermos progressos satisfatórios nessas outras área", afirmou Mandelson. "Precisamos ganhar algo em troca", disse a comissária da Agricultura, Mariann Fischer Boel.

A condicionalidade, portanto, coloca de certa forma uma pressão sobre o Brasil, que não aceita cortes significativos nas tarifas industriais.

Para a UE, a reunião de Hong Kong deve estabelecer o ritmo dos cortes das tarifas aplicadas. No que se refere a serviços, a UE quer que os países em desenvolvimento se comprometam até dezembro a indicar 90 setores que poderiam ser liberalizados.

Para a Índia, a proposta agrícola poderia até mesmo ser aceita, mas não com as condições impostas no que se refere aos produtos industriais.

O que os europeus querem é garantir que sairão das negociações da OMC com claras vantagens para suas empresas nos mercados emergentes que mais crescem no mundo. "Essa não é uma rodada de negociações só para tratar de agricultura e a Europa não será o único banco", afirmou Mandelson. Para completar, a Europa pede que seus vinhos, queijos e especialidades tenham seus nomes protegidos em todo o mundo .