Título: Crédito consignado faz calote crescer
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2005, Economia & Negócios, p. B1

Quinze meses depois da estréia do crédito com desconto em folha de pagamento para trabalhadores e aposentados, redes de varejo e administradoras de crediário começam a perceber o aumento da inadimplência em seus financiamentos por causa desses empréstimos.

O impacto pode parecer paradoxal. É que, num primeiro momento, o crédito consignado amplia os recursos do consumidor, como se fosse um 13.º salário, e com juros bem inferiores à média dos financiamentos do mercado. Mas, à medida que o tempo passa, a renda disponível para outras despesas e prestações encolhe, pois o trabalhador e o aposentado que assumiram esses empréstimos recebem os rendimentos já abatidos da parcela do financiamento.

É exatamente nessa saia justa que o consumidor que optou pelo crédito consignado deixa de pagar outros financiamentos e se torna inadimplente, uma vez que o calote total ou parcial é praticamente zero no crédito consignado e ocorre só em no caso de óbito ou demissão do contratante do empréstimo.

Esse movimento já foi notado pelas empresas, tanto entre trabalhadores ativos como entre aposentados. Na Servloj, por exemplo, que administra cerca de 150 mil crediários de redes varejistas dos segmentos de eletroeletrônicos, móveis e artigos de vestuário, a participação dos clientes aposentados e pensionistas da Previdência inadimplentes no total de devedores com prestações em atraso há mais de 180 dias cresceu 4% entre setembro de 2004 e setembro deste ano. Essa taxa de crescimento é mais que o dobro da registrada para os clientes devedores das demais profissões no mesmo período, diz o diretor da Servloj Oswaldo Freitas Queiroz.

A tendência é confirmada por duas grandes redes varejistas que preferem não ser identificadas. Numa delas, a participação dos clientes com mais de 55 anos de idade com prestações em atraso no total dos inadimplentes era inferior a 5% em setembro do ano passado, quando o crédito consignado engatinhava. Hoje, essa fatia está em 20%.

Já as Lojas Riachuelo, especializadas em artigos de vestuário, que têm 75% das vendas a prazo, registraram o aumento da inadimplência provocada pelo crédito consignado também na faixa mais jovem, entre os clientes com 18 a 25 anos de idade. Para essa faixa etária, a inadimplência aumentou 20% entre janeiro e outubro deste ano ante 2004 e de forma mais acentuada no segundo semestre de 2005.

¿Fizemos pesquisas qualitativas com os clientes inadimplentes e descobrimos que o principal fator apontado para o atraso no pagamento da prestação hoje é o crédito consignado. Antes, era o desemprego¿, afirma o diretor do Cartão Riachuelo José Antonio Rodrigues.

Coincidência ou não, a taxa de crescimento do crédito consignado começou a se desacelerar a partir de junho, após o desempenho espetacular desde a sua implantação, no segundo semestre de 2004, diz o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira.

O saldo de R$ 21,2 bilhões do consignado até setembro cresceu 102,4% em 12 meses e 68,6% neste ano, enquanto o crédito ao consumidor subiu 39,4% em 12 meses até setembro e 31,1% neste ano.