Título: Dirceu não se rende, mas luta é cada vez mais solitária
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2005, Nacional, p. A8

BRASÍLIA - Abandonado à própria sorte pelo governo, o deputado José Dirceu (PT-SP), ex-chefe da Casa Civil, passou a última semana tentando se reaproximar do Palácio do Planalto. Com o mandato por um fio, Dirceu ligou na quinta-feira para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O telefonema ocorreu no dia em que o Conselho de Ética da Câmara aprovou a cassação de seu mandato ¿ decisão derrubada horas depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ¿ e na mesma data do aniversário de Lula, que completou 60 anos. Sem conseguir falar com o homem que ajudou a eleger, Dirceu conversou com o chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, e deixou um recado. ¿Transmita ao presidente os meus cumprimentos¿, disse o deputado que coordenou a campanha de Lula e hoje está à beira da cassação.

A cena reflete bem a solidão de Dirceu. No diálogo com Carvalho, justamente naquele dia em que também se completavam três anos da eleição do presidente Lula, o ex-poderoso chefe da Casa Civil garantiu não estar irritado com o governo e tentou desfazer o que chamou de ¿intrigas¿. Na sexta-feira, telefonou para o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, e repetiu a ladainha.

¿Ele me disse que não está contrariado nem se queixando de nada do governo. Cada um faz a sua parte e a dele é lutar com todas as forças pelo seu mandato. Ele está fazendo sua defesa de forma muito firme¿, afirma Carvalho, que diz saber o quanto é difícil provar a inocência na política.

Na CPI dos Bingos, há quatro dias, Carvalho foi novamente acusado pelos irmãos do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, de entregar em 2001 R$ 1,2 milhão a Dirceu, então presidente do PT. O dinheiro seria produto de propina e teria o objetivo de financiar campanhas do PT. Frente a frente com seus acusadores, o chefe de gabinete negou a corrupção. ¿Tudo isso está servindo a um jogo político¿, argumenta.

Dirceu ainda mantém bom relacionamento com Carvalho. Mas, apesar de afirmar que Lula está correto ao não defendê-lo, guarda mágoa: esperava a solidariedade do presidente. Depois de 30 meses na Casa Civil, ele sabe que o governo torce para sua cassação ser aprovada o mais rápido possível. No Planalto, o raciocínio é de que sua degola servirá para esfriar a crise.

Os sucessivos recursos do deputado ao STF, porém, têm adiado o desfecho de seu destino político. Nesta semana, haverá mais um: seu advogado, José Luiz Oliveira Lima, entrará no STF com novo mandado de segurança, desta vez contestando a decisão da Comissão de Constituição e Justiça que, por 39 votos a 15, rejeitou o pedido de arquivamento do processo. Dirceu insistirá em que o próprio PTB já retirou o pedido de cassação contra ele. ¿Eu vou continuar lutando para provar minha inocência¿, avisa o deputado. Oliveira Lima observa: ¿Gostem ou não dele, é um personagem fascinante.¿

CORPO-A-CORPO

Com a sobrevida, Dirceu aproveita cada dia a mais para conversar com caciques do Congresso, como os ex-presidentes do Senado José Sarney (PMDB-AP) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e para cercar os desafetos. No corpo-a-corpo e em telefonemas, tenta desesperadamente virar votos a seu favor.

¿Eu sou o mesmo. Não mudei. Por favor, me ajude; não permita que eu seja banido da vida pública pela segunda vez¿, apela, numa referência à cassação de seus direitos políticos, na ditadura militar.

No relatório em que defende a guilhotina, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) destaca a ¿transfiguração ética¿ de Dirceu, acusado de ser o chefe do mensalão. ¿Aquele José Dirceu, que era líder estudantil revolucionário da chamada geração de 68, que lutou bravamente contra a ditadura, que foi treinado pela inteligência cubana, que viveu clandestinamente no Brasil e construiu o maior partido de esquerda, não é mais o mesmo¿, escreveu Delgado.

Desmontar esse relatório é a obsessão do ex-ministro Dirceu. ¿Eu tenho me perguntado todo santo dia o que fiz para passar por uma situação como essa¿, comenta. ¿Sei que as forças estão organizadas para me levar à cassação, com o argumento de que, se eu não sabia de nada, eu tinha de saber. Mas não posso aceitar isso. Eu não era o general¿, protesta.