Título: Bush e Chávez, cara a cara na Argentina
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2005, Nacional, p. A12
BRASÍLIA - A quarta edição da Cúpula das Américas, que acontecerá na próxima sexta-feira e sábado no balneário argentino de Mar del Plata, será marcada por seus aspectos mais folclóricos. Apesar da seriedade do tema escolhido pelo país anfitrião ¿ a geração de postos de trabalho ¿decentes¿ no hemisfério ¿, parte das atenções estará concentrada no inevitável encontro de dois declarados inimigos, os presidentes George W. Bush, dos Estados Unidos, e Hugo Chávez, da Venezuela. A outra parcela das atenções deverá ser desviada para um estádio de futebol. Ali será realizada, em paralelo, a chamada contra-cúpula dos Povos, que terá Chávez como principal estrela e poderá alimentar manifestações contra Bush e o ¿imperialismo americano¿, encabeçadas por Diego Maradona.
Nos bastidores, o imbróglio estará na negociação de cada palavra e vírgula do parágrafo sobre um projeto ¿morto-vivo¿ dos 34 países, lançado na primeira edição da Cúpula das Américas, em 1994, e principal objetivo dos encontros seguintes. Trata-se da criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), cujas negociações estão paralisadas desde setembro do ano passado, pela impossibilidade de acerto entre o Brasil e os EUA. As chances de retomada são pequenas, mesmo depois de encerrada a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No meio desse tiroteio, vão se equilibrar o anfitrião Néstor Kirchner, que se encontrará reservadamente com Bush para discutir questões bilaterais, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recentemente elogiou o ¿excesso de democracia¿ do regime adotado pelo companheiro Chávez e que também receberá o presidente americano em Brasília no dia 6, um dia depois do encerramento da reunião de Mar del Plata.
Fortalecido internamente pela vitória nas eleições legislativas do dia 23, Kirchner tem mantido um tenso relacionamento com Lula, a quem desprestigiou nos dois últimos encontros de cúpula realizados em Brasília neste ano.
Nesse cenário de poucos amigos, os representantes dos 34 países do hemisfério ¿ menos Cuba ¿ deverão enfrentar juntos a sessão de abertura, outras três de trabalho, um almoço, jantar, um ato cultural e disparar sorrisos para a foto oficial.
DIFERENCIAL
Segundo o ministro Afonso José Sena Cardoso, coordenador-geral de Acompanhamento de Mecanismos Políticos Multilaterais do Itamaraty, os debates se concentrarão nos desafios de gerar postos de trabalho como meio de garantir o crescimento sustentável, o combate à pobreza e a governabilidade democrática.
O diferencial do encontro, segundo Cardoso, estará justamente na discussão sobre o trabalho, numa região tão carente. ¿No Hemisfério, 96 milhões de pessoas vivem na indigência, e vários países demonstram dificuldades em atingir as metas do Milênio. Só na América Latina e no Caribe, o crescimento nos últimos dez anos foi acompanhado pelo aumento do desemprego aberto¿, afirmou, referindo-se a dados da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal) e da Organização internacional do Trabalho (OIT).
Do encontro de Mar del Plata sairá uma declaração final com cerca de 40 parágrafos e um plano de ação. Outras declarações poderão ser propostas, como uma de apoio ao processo eleitoral no Haiti e de apelo à comunidade internacional para que não cesse a ajuda àquele país depois das eleições. Mas não se espera nenhuma recomendação inédita ¿ apenas a confirmação de compromissos que vêm sendo repetidos a cada encontro multilateral.
Entre eles, a condução de políticas fiscais responsáveis pelos países do hemisfério, o esforço para o cumprimento das Metas do Milênio de redução da pobreza e o estímulo a mecanismos inovadores de financiamento de projetos sociais e de infra-estrutura.