Título: Síria reclama, mas promete cooperar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2005, Internacional, p. A16

Apesar de taxar resolução do CS de 'ilógica' e 'apressada', governo diz que parentes do presidente, suspeitos no caso Hariri, vão depor

O governo sírio criticou ontem a resolução do Conselho de Segurança da ONU que, por unanimid ade, ordenou na segunda-feira que o país coopere plenamente com a investigação internacional do assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri. O texto ameaçava com "medidas adicionais", não especificadas, no caso de a Síria não cumprir sua obrigação. Apesar de considerar a resolução injusta, o governo sírio anunciou que não se oporá à convocação, para interrogatório, do irmão e do cunhado do presidente Bashar Assad, caso os investigadores pretendam ouví-los. O irmão de Assad, Maher, comanda a Guarda Presidencial e o cunhado do presidente, Assef Shawkat, é o chefe do setor de Inteligência, sobre o qual recaem fortes suspeitas de envolvimento no atentado. Segundo o embaixador da Síria em Londres, Sami al-Khiyami, a equipe da ONU havia pedido para entrevistar nove ou dez pessoas, mas nunca mencionara os nomes de Maher e Shawkat.

Na avaliação do chanceler sírio, Faruk al-Shara, a resolução não é "lógica" e responsabilizar a Síria no caso Hariri seria o mesmo que implicar os serviços de inteligência dos EUA, Grã-Bretanha e Espanha nos atentados nesses países.

"Consideramos a resolução muito negativa para a Síria e o fato de ter sido aprovada por unanimidade a torna ainda mais p roblemática", disse uma fonte do Ministério do Interior sírio. "O texto é acusatório e tem como base o relatório de (Detlev) Mehlis (o investigador alemão da ONU), que consideramos apressado e não suficientemente objetivo."

A imprensa local, que reflete as posições oficiais, tratou o assunto com moderação e deu ênfase à disposição das autoridades de cooperarem com a ONU. Além disso, pouco mais de mil pessoas protestaram ontem diante das embaixadas americana e britânica em Damasco - o número pequeno é novo indício de que o governo não está interessado em uma confrontação com a ONU.

No relatório inicial divulgado no dia 20, Mehlis, o chefe da equipe de investigadores da ONU, apontou a "evidência convergente" de que agentes sírios e libaneses estavam envolvidos na morte de Hariri. Ele foi assassinado em fevereiro num atentado com carro-bomba, que matou também outras 22 pessoas, em Beirute. O documento ainda acusa autoridades sírias de tentar obstruir as investigações.

A votação do Conselho de Segurança da ON, na segunda-feira, de uma moção apresentada pelos EUA, Grã-Bretanha e França se deu depois que os três países amenizaram a proposta inicial de ameaçar a Síria com sanções econômicas automáticas, caso não cooperasse. Rússia, China e Argélia só aceitaram votar em favor da resolução após a retirada da ameaça.

CÍRCULO FAMILIAR

Na primeira versão de seu relatório, o promotor Mehlis mencionava como suspeitos o irmão e o cunhado do presidente sírio. No texto final, entregue ao CS há duas semanas, Mehlis cortou essas referências, mas o esboço inicial já havia vazado para a imprensa. Então, Mehlis alegou ter suprimido aquela parte porque se tratava de uma suspeita baseada em apenas uma testemunha.

A situação é complicada para Assad. Numa entrevista semanas atrás à TV a cabo americana CNN, ele prometeu punir quaisquer pessoas do país envolvidas no atentado - caso a ONU apresente provas. Analistas da política síria avaliam que isso representaria um grande problema para o presidente, já que ele nunca dominou os aparatos políticos, militares e de segurança, ao contrário de seu pai, Hafez Assad, de quem herdou o poder. Além do mais, os dois principais suspeitos, o irmão e o cunhado, são membros do círculo familiar e ocupam postos-chave no poder. Bashar Assad assumiu a presidência em 2000, após a morte do pai.