Título: Fundo do poço
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

"Lula está muito prepotente. Parece que está vendo outro filme e se lixando para a opinião das pessoas. O País está agonizando e ele se nega a assumir a responsabilidade" Fagner, revista Veja (26/10)

Com alguma freqüência recebo e-mails de leitores do Estado se queixando do que julgam ser viés negativo, contra o governo Lula, de alguns artigos meus, bem como reclamando da imprensa em geral, que só veria o lado ruim do presidente Lula e seu governo, deixando de elogiar o que de bom que acontece no País. Todos, porém, parecem estar de acordo com o desapontamento existente em relação à classe política brasileira.

Pode ser que os leitores tenham, algumas vezes, razão quanto ao que chamam de "combate sistemático ao governo Lula". Mas fica difícil agir de outra maneira quando vemos o que acontece no Brasil e ao redor do mundo. Há muitos anos não temos um cenário internacional tão favorável, com o mundo comprador, criando rara oportunidade de crescimento para os países emergentes. Por aqui, ficamos - nas palavras do presidente Lula e seus subordinados - felizes da vida em crescer algo como 3,3% em 2005. Muito menos do que cresce a média dos países com os quais competimos, o que nos deixa preocupados com o futuro, quando o cenário internacional for menos favorável. De acordo com o economista Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, "a festa dos emergentes vai acabar", pois o "ciclo global de liquidez que vem beneficiando países em desenvolvimento está perto do fim". Certo ou errado, o fato é que os juros já subiram lá fora e devem subir ainda mais no próximo ano.

Quando o presidente Lula diz aos empresários paulistas que comparem o desempenho do seu governo com a economia nos últimos 30 anos, coloca-se na condição de quem está fazendo história por sua gestão na área econômica, o que não é bem assim. O jornalista econômico Joelmir Beting afirma que "o País está crescendo não por causa da política econômica do governo, mas apesar dela", com o que concordo. Nossa taxa real de juros, de 13,7% ao ano, continua sendo, disparada, a mais alta do mundo, batendo com folga a da Turquia, que, com 5,7% ao ano, ocupa o segundo lugar. Mesmo com superávit primário de quase 5% do PIB no acumulado de 2005, a dívida do setor público continua em alta, tendo subido mais de R$ 100 bilhões nos nove primeiros meses do ano.

Essa política monetária conservadora vem sendo aplicada no combate à inflação. O custo é alto, mas tem as suas compensações, pois o brasileiro não quer mais conviver com aumento dos preços todos os dias. O errado, entretanto, está em o governo não só utilizar os juros para combater a inflação, mas fazer também do câmbio âncora para que sua meta seja atingida. Estudo da Fipe demonstra que "o câmbio segura o avanço da inflação", mas está criando sérios problemas para alguns setores exportadores. O câmbio irreal com que vivemos é uma ameaça séria ao equilíbrio futuro da nossa economia, pois, como dizia o saudoso ministro Simonsen, "a inflação aleija, mas o câmbio mata".

Mas o pior de tudo é o que está acontecendo com nossa agricultura e nossa pecuária, motivos de alegria nos últimos anos. Quando o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, diz que "a agricultura brasileira está no fundo do poço", assusta. Vai além, informando que a renda do setor foi reduzida em mais de R$ 17 bilhões este ano, com perspectivas sombrias daqui para a frente. Na pecuária fomos atingidos pela febre aftosa, cujos impactos em nossa economia são ainda desconhecidos. E o pior é que não é por falta de aviso que estamos enfrentando essa situação. Em 26 de agosto, o presidente da Federação da Agricultura de Mato Grosso, Homero Alves Pereira, enviou carta ao presidente Lula na qual, entre outras coisas, dizia: "A falta de investimentos na defesa sanitária animal e vegetal brasileira vai expor o Brasil a uma situação vexatória diante da comunidade internacional, pois o frágil sistema de controle sanitário poderá gerar a perda de importantes mercados." E não deu outra. Por falta de fiscalização adequada, a febre aftosa chegou e não sabemos como vai terminar. Fica difícil, pois, discordar do cantor Fagner quando afirma que o presidente Lula "está se lixando para a opinião pública".

O desalento aumenta quando vemos o que acontece na arena política, incluindo-se aí o PT, partido do governo. Enquanto denúncias de "mensalão" e corrupção corriam soltas pelos corredores de Brasília, o ex-presidente do PT Tarso Genro, em nota oficial, afirmava que a prática de caixa 2 "é um sintoma grave, mas meramente tributário". Lamentável. Não bastasse, o sr. Cláudio Mourão - tesoureiro da campanha em que tentou se reeleger o então governador de Minas Gerais e atual senador Eduardo Azeredo, que vem de deixar a presidência do PSDB - confirmou a existência da caixa 2 nas eleições de 1998 como se fosse a coisa mais legítima do mundo. Por essas declarações dá para perceber que boa parte da classe política perdeu a vergonha e o presidente Lula, por ser o líder supremo da Nação, está pagando o preço dessa escalada da corrupção em seu governo. Pesquisa realizada pela DataFolha há dez dias mostra que 33% da população acredita que ele tem "muita responsabilidade" nos casos de corrupção. Para um presidente de um partido em que, quando oposição, a ética era soberana, é um duro castigo.

Fica, pois, difícil rasgar elogios ao governo que está aí. Nossa esperança é que nos 14 meses restantes de mandato o presidente Lula nos tire dessa sensação de "fundo do poço", ajustando-se à realidade. Quando tal acontecer, seremos dos primeiros a elogiar Lula e seus comandados e, se possível, a classe política.