Título: O PSOL
Autor: Denis Lerrer Rosenfield
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

O charme do PSOL não resiste às suas idéias. A senadora Heloisa Helena tem-se destacado nos trabalhos das CPIs, graças às suas intervenções, a um inegável senso da mídia e a um comprometimento com a ética na política. Ela procura, na verdade, reencarnar a antiga bandeira petista de moralização da vida pública, pois o partido que a encarnava fez dela pouco-caso. Para os atuais e antigos simpatizantes do PT, a senadora poderia aparecer como a expressão de uma esquerda ética, comprometida com a democracia e com a modernização da sociedade brasileira. Os seus índices de intenção de voto nas pesquisas de opinião para a Presidência da República atestam uma popularidade crescente. Essa simpatia, no entanto, não resiste a uma análise do programa de seu partido, velha expressão das idéias do marxismo dogmático do século 20. O máximo de modernidade é o seu trotskismo! Em Brasília, nos dias 5 e 6 de junho do corrente ano, realizou-se o Encontro Nacional de fundação do PSOL, que aprovou um programa comprometido com a implantação do "socialismo" no Brasil e com a destruição do "capitalismo". A equação estabelecida é a de que o "socialismo" significa a "humanidade", enquanto o capitalismo é a "barbárie", ao arrepio de qualquer consideração histórica, pois o "socialismo real" redundou na barbárie, na supressão das liberdades e no genocídio e as sociedades capitalistas desenvolvidas, por sua vez, reafirmaram a liberdade, a democracia, os direitos humanos e a justiça social. Basta a comparação entre, de um lado, a ex-URSS, os países do antigo Leste Europeu, Cuba, Albânia, Camboja e, de outro, Inglaterra, França, os países escandinavos, os EUA, a Itália e a Alemanha.

Isso, no entanto, não impede os representantes do PSOL de enveredarem para uma pauta de "enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida". Em vez da antiga expressão petista da "ruptura necessária", temos agora uma nova modalidade desta: a "ruptura sistêmica". Não faltam, inclusive, as investidas contra a "terceira via social-democrata", que na Alemanha terminaram conduzindo ao surgimento do nazismo. Paradoxalmente, o PT vem a ser, nesta ótica, identificado com o PSDB! É como se a História nada ensinasse. Neste sentido, o documento retoma o conceito marxista de "luta de classes" enquanto conceito central de sua estratégia partidária, advogando pela negação sistemática de qualquer forma de "conciliação de classes". O que faz o sentido mesmo de uma nação moderna, ou seja, a conciliação e as formas de diálogo e de interlocução, é simplesmente banido em nome de uma ótica classista que aposta na redenção da humanidade pelos "trabalhadores", isto é, pelo partido que terminará por deter o monopólio desta dicção.

Nesta perspectiva, todas as demandas sociais, que se traduzem por greves, piquetes, invasões e ocupações, deveriam ser canalizadas em processos que levem ao rompimento com a ordem vigente. As lutas sociais deveriam, portanto, ser entendidas como lutas que não podem ser atendidas dentro da ordem capitalista, pois a sua finalidade não consiste na satisfação de uma demanda social, mas na implementação do projeto socialista de poder. Greves seriam instrumentos de insurreição. Tudo o que se poderia acomodar socialmente ao capitalismo, como é a experiência bem-sucedida, por exemplo, do trabalhismo inglês ou da social-democracia européia, é, de princípio, recusado, porque o objetivo final não é a justiça social, mas o "socialismo" enquanto nova ordem social. O programa do PSOL chega, inclusive, a afirmar que o capitalismo seria "parasitário" e improdutivo, sendo, então, o culpado de todos os males que nos assolam.

Conseqüentemente, uma "estratégia socialista" deveria conduzir à expropriação de terras, "sejam elas produtivas ou não", tendo como parâmetro de ação as invasões do MST, do MTL e da CPT. A "prisão dos latifundiários" estaria, evidentemente, contemplada se eles resistissem às invasões revolucionárias. No entanto, como o alvo é mesmo a propriedade privada, o setor urbano não estaria a salvo, tendo, desta vez, como mote a "especulação imobiliária". A invasão de terras se traduziria agora pela invasão de casas e apartamentos, no mais puro estilo da desapropriação revolucionária. Será que já não vimos esse filme?

Ora, quem pensa que a ação revolucionária aí termina se engana redondamente, pois ela deveria traduzir-se por outras ações, dentre as quais a "ruptura com o FMI", o "não-pagamento da dívida externa", a recusa da Alca, que nada mais seria que um projeto de anexação do Brasil, e o controle de câmbio e capitais. O setor bancário brasileiro seria aqui especialmente visado, pois é visto como o grande beneficiário da situação atual. Um eventual governo do PSOL simplesmente anularia "a dívida com os bancos". Como um programa marxista desse tipo está apoiado na condenação do lucro enquanto ilegítimo, toda empresa está, ipso facto, condenada, pois ela é o agente motor de uma sociedade capitalista. Mais explicitamente, o programa apregoa por uma reestatização das empresas privatizadas e pela pura e simples expropriação dos grandes grupos capitalistas.

Considerando que os capitalistas e "burgueses" nacionais são meros aliados de seus mais importantes congêneres internacionais, o seu destino estaria, evidentemente, selado: a sua eliminação da cena nacional. O documento não é ainda suficientemente claro sobre o destino físico desses indivíduos. À luz da experiência internacional, suponho que seriam os eufemisticamente ditos "campos de reeducação". Logo, se um programa desse tipo fosse levado a cabo, o País se veria apartado do mundo digital, como se fosse ainda possível fechar fronteiras, conduzindo a Nação à inatividade econômica, à crise política e, também, a um fervor revolucionário. A guerra civil seria, assim, o horizonte. Nem todo sol ilumina.