Título: Reforma processual
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Passou despercebida da opinião pública a sanção, pelo presidente da República, do primeiro dos 23 projetos de lei que reformam o Código de Processo Civil que o governo encaminhou ao Congresso, em dezembro do ano passado. Juntamente com a emenda constitucional da reforma do Poder Judiciário, que foi aprovada no final de 2004 e criou o controle externo sobre a magistratura, instituiu a súmula vinculante e unificou os concursos públicos para a seleção de juízes, esses projetos são decisivos para a modernização do sistema judiciário.

O projeto aprovado pelo Congresso altera drasticamente as regras do agravo - um tipo de recurso que os advogados interpõem contra decisões tomadas pelos juízes na tramitação dos processos sem, no entanto, encerrá-los. Esse recurso se divide em agravo de instrumento (concebido para resolver questões incidentais), agravo regimental e agravo retido (aquele que não é julgado automaticamente após sua interposição, ficando retido nos autos para apreciação futura, por ocasião da apelação). O texto legal aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula (Lei 11.187/05) a partir de 19 de janeiro de 2006 determina que os agravos de instrumento se convertam em agravos retidos, exceto nos eventuais casos de lesão grave e de difícil reparação.

Na prática, isso inverte o sistema hoje em vigor. Antes da nova lei, quando uma parte recebia qualquer decisão desfavorável aos seus interesses na primeira instância, ela se valia do agravo de instrumento para recorrer à instância superior e pedir a concessão de uma liminar com efeito suspensivo. Como os desembargadores e ministros eram obrigados a examinar imediatamente esses pedidos, o resultado inevitável era a procrastinação da causa e o congestionamento dos tribunais superiores.

Agora, o agravo ficará mantido nos autos que tramitam em primeira instância e só será analisado por uma corte superior se houver a interposição de recurso de apelação contra a decisão de mérito. Trocando em miúdos, a parte derrotada nas instâncias inferiores pode recorrer, mas o agravo será juntado aos autos para ser analisado pelas instâncias superiores com todo o processo. Além de diminuir o formalismo e a burocracia impostos pela legislação processual, permitindo reduzir pela metade o tempo de tramitação das ações e dando mais força às decisões dos juízes de primeira instância, essa medida tem por objetivo acabar com um dos principais instrumentos legais utilizados pelos advogados com fins meramente protelatórios.

Desvirtuados em sua finalidade, os agravos de instrumento passaram a servir à chicana jurídica, permitindo aos advogados das partes que sabem que serão derrotadas retardar durante anos a decisão definitiva de mérito. Segundo os Indicadores Estatísticos do Poder Judiciário Brasileiro, um importante levantamento sobre a instituição que o Ministério da Justiça realizou em 2004, esse tipo de agravo representa 56,8% dos recursos interpostos no STF e 36,9%, no STJ.

Assim como a Lei 11.187/05, os outros 22 projetos que reformam o Código de Processo Civil também ajudam a reduzir o número de ações e a desestimular a interposição de recursos protelatórios. Para se ter uma idéia de seu impacto na vida da sociedade, um deles limita os privilégios da União nos litígios em que ela é parte. Atualmente, ela tem quatro vezes mais tempo do que as pessoas físicas e jurídicas para impetrar recursos e o dobro de tempo para contestar as decisões que lhes são desfavoráveis, o que, além de ser um absurdo, é injusto. Outro projeto dá aos juízes que já deram a mesma decisão a casos idênticos a prerrogativa de encerrar uma ação, sem a necessidade de citar o réu. Um dos projetos mais importantes, e que já está em condições de ser votado pelo Senado, agiliza a execução das sentenças, permitindo a quem venceu um litígio ver cumprida rapidamente a decisão judicial.

Dada a importância de todos esses projetos para a modernização da Justiça brasileira, o Congresso tem de votá-los com a mesma determinação e o mesmo empenho com que aprovou as oportunas alterações no agravo de instrumento.