Título: Se cubano não vier, CPI pode ir
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2005, Nacional, p. A6

Oposição cogita ir a Cuba atrás do depoimento de Cervantes sobre dólares de Fidel A oposição pôs o pé no freio no ritmo e na intensidade do abrigo à denúncia de que a campanha presidencial de Luiz Inácio da Silva recebeu dinheiro de Cuba, mas nem de longe isso significa uma disposição à trégua.

Na próxima semana, por exemplo, o deputado ACM Neto vai propor à CPI dos Correios que ouça o diplomata cubano Sérgio Cervantes - citado como a pessoa encarregada de receber os dólares de Havana e entregá-los aos comitê de campanha - de qualquer modo: se ele se recusar a comparecer ao Congresso, a CPI deveria enviar uma comissão para tomar o depoimento em Cuba ou onde quer que ele esteja.

Reunidos na segunda-feira à noite no gabinete do senador Antonio Carlos Magalhães, os deputados Eduardo Paes, ACM Neto, Alberto Goldman e os senadores Antonio Carlos, Tasso Jereissati, José Jorge e Artur Virgílio discutiram o assunto sob a ótica do ataque, embora levando em conta a necessidade de um recuo temporário.

A água fria foi sugerida pelo PSDB, mais exatamente pelo prefeito José Serra ao presidente do PFL, Jorge Bornhausen, que chegou segunda-feira em São Paulo para uma reunião com o tucano disposto a esquentar o ambiente, mas foi desaconselhado.

Em Brasília, os deputados e senadores oposicionistas resolveram aproveitar a semana meio morta do feriado para aguardar o surgimento de dados novos capazes de dar mais consistência à denúncia - receberam, por exemplo, informação de que a revista Veja teria conseguido reconstruir o trajeto do avião onde estariam as caixas de dinheiro -, mas, em princípio, avaliaram que o caso é a grande oportunidade de retomar a ofensiva de imposição de desgaste político à figura do presidente Lula.

Não exatamente com vistas a propor o impedimento do presidente - os partidos estão convencidos de que, mesmo se a proposta vier a ter embasamento legal, não devem ser eles a tomar esse tipo de iniciativa -, mas com o objetivo de recuperar o fôlego perdido no embate político/eleitoral entre governo e oposição.

Nem o PFL nem o PSDB querem correr o risco de embarcar numa história inexistente que os desqualifique ou, pior, os faça cair no ridículo.

O ponto essencial da investigação não será a busca da comprovação da origem do dinheiro necessariamente no governo cubano. O foco será a hipótese de o PT ter, ou não, recebido recursos de fora, mesmo na forma de "internação" de dólares depositados em uma possível conta do partido no exterior.

Pefelistas e tucanos combinaram uma estratégia conjunta de trabalho entre as CPIs dos Bingos e dos Correios, dividindo entre elas a aprovação de requerimentos e a tomada de depoimentos das seis pessoas até agora envolvidas no chamado caso Cuba: os ex-assessores de Antonio Palocci Rogério Buratti e Vladimir Poleto, o motorista Éder Eustáquio Soares Macedo, os empresários Roberto Carlos Kurzweil e Roberto Colnaghi, e o diplomata Sérgio Cervantes.

A justificativa para a junção das duas CPIs é a de que na dos Bingos já estão sendo apuradas denúncias contra Rogério Buratti e na dos Correios é investigado o uso de contas no exterior para abastecer os cofres do PT.

Toda a movimentação política por trás dos trabalhos de investigação, no entanto, visa de fato a corrigir o que a oposição hoje considera seu erro "crasso", cometido logo após o depoimento de Duda Mendonça confessando ter recebido pagamentos por intermédio de contas no exterior: a decisão de manter o presidente Lula fora do alvo das investigações.

Na ocasião, PSDB e PFL decidiram deliberadamente proteger Lula, com receio de que o desgaste fosse excessivo e acabasse por precipitar um desfecho além do desejado enfraquecimento político lento, mas gradual.

Como logo em seguida ocorreu o inesperado episódio que resultou na queda de Severino Cavalcanti, por cerca de um mês as atenções da crise ficaram voltadas para a Câmara, dando ao governo um período de alívio suficiente para estancar a redução dos índices de popularidade do presidente da República nas pesquisas de opinião.

Agora, o PFL e o PSDB pretendem voltar àquele ponto anterior e, não obstante continuem muitíssimo pouco interessados em soluções de ruptura - vale dizer, a interrupção do mandato presidencial -, não querem repetir a interdição do debate a respeito. Ao contrário, consideram útil alimentá-lo até como forma de manter o PT em estado de belicosidade máxima.

Quanto mais animosos e dispostos à guerra estiverem os petistas, mais exposto politicamente estará o governo e mais justificativas terão seus adversários para manter alto o tom. Por isso, a entrada em cena de Lula na condição de comandante em chefe da tropa governista no combate permanente e renitente aos ataques está sendo muito bem recebida nas hostes da oposição, que quer vê-lo assim, no centro da briga.

Organização e método

O tucanato já distribuiu ao elenco os papéis de cada um: o líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio, e o presidente do partido, Tasso Jereissati, atacam; os pré-candidatos à Presidência da República, José Serra e Geraldo Alckmin, amenizam, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se preserva no figurino de morubixaba-mor.