Título: A favor da inflação
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

Notinhas não desmentidas publicadas na imprensa dão conta de que a ministra-chefe da Casa Civil, a gaúcha Dilma Rousseff, está empunhando a bandeira da gastança. "Por que não aceitar uma inflação de 15% ao ano?", teria perguntado ela em reunião recente do governo. O fato é que partem dela alguns dos mais veementes ataques à política econômica empreendida pelo ministro Antono Palocci. Por trás da pergunta está a idéia de que os mecanismos usados para derrubar a inflação paralisam o crescimento, trancam verbas públicas, que poderiam ser empregadas no investimento social e na infra-estrutura, e tiram o emprego da população pobre.

São essas as mesmas razões pelas quais a maioria das facções do PT lida mal com o problema da estabilidade monetária. Talvez essa "cultura" seja explicada pela experiência sindical paulista, intrincadamente ligada à história do partido. Em tempos de inflação alta, foi sempre mais fácil mobilizar os trabalhadores para lutar pela recomposição dos salários. Inflação em queda e salários mais fortes são pungente fonte de tédio para o ativismo trabalhista.

Os economistas de esquerda também tendem a ver os programas de austeridade como meio de fortalecimento das elites. Para eles, os juros, que estão onde estão para combater a inflação, beneficiam "os rentistas e a banqueirada".

O mais renomado dos economistas brasileiros de esquerda, o professor Celso Furtado, dizia que é inevitável que desenvolvimento econômico se faça com inflação. É como ter de quebrar os ovos para se ter a omelete. De mais a mais, austeridade fiscal e ortodoxia monetária, pensam eles, são receitas do Fundo Monetário Internacional e do Consenso de Washington, redutos da direita neoliberal e obtusa.

Não lhes ocorre, por exemplo, que a inflação é o caminho mais rápido para a concentração de renda, porque atinge os indefesos, os assalariados e a população de baixa renda, que não têm acesso aos recursos do mercado financeiro onde as rendas mais altas se abrigam contra a corrosão inflacionária. Também não lhes ocorre que não há crescimento sustentado em ambiente de inflação alta porque a queima de renda pela inflação derruba o consumo, os investimentos e o emprego. Portanto, não lhes ocorre que sem estabilidade não há política social nem política de distribuição de renda que parem em pé.

Em outras palavras, a melhor política social de um governo identificado com as causas do povo é garantir a derrubada da dívida pública e o equilíbrio fiscal. Foi, por exemplo, o que fizeram o Chile e a Irlanda.

De 1945 a 1989, o Chile teve uma inflação crônica causada pela emissão de moeda para sustentar despesas do governo. De lá para cá, a inflação foi atacada por uma política implacável de busca do equilíbrio orçamentário. De 1988 a 1997, a inflação manteve-se ao redor dos 5% ao ano e o crescimento do PIB foi de 8% ao ano; o desemprego caiu de 20% (início dos anos 80) para 6% em 1996-97; o salário real cresceu cerca de 4% ao ano entre 1988 e 1997. Quando a coligação de centro-esquerda assumiu o poder em 1990, com o presidente Patricio Aylwin, essa política ortodoxa foi mantida. Nos últimos cinco anos de administração socialista do presidente Ricardo Lagos, a inflação esteve abaixo de 4% ao ano e o crescimento econômico, em 4,4% ao ano.

A Irlanda é conhecida hoje como o "tigre celta", pelo sucesso econômico. A partir de 1985, o governo de Dublin implantou uma economia de guerra contra a inflação e o déficit público. Em 13 anos de austeridade, as despesas públicas caíram de 50,7% do PIB para 31,8%. Também em proporção ao PIB, a dívida do governo caiu de 100% para abaixo dos 40%. Entre 1995 e 2004, a economia cresceu 7% ao ano.

É compreensível por que ministros como Dilma Rousseff, Jacques Wagner e Luiz Marinho atacam a política econômica. E, convenhamos, não é doença ter uma outra cabeça.

O que não dá para entender é a atitude do presidente Lula. Todos os dias ele defende a sua política como a única que garante o futuro do trabalhador. E cita os resultados: inflação em baixa, desemprego em baixa, dívida pública sob controle, confiança recuperada lá fora, excepcionais resultados da balança comercial. Mas o outro lado do presidente Lula estimula o boicote à sua política ou nada faz para cortá-lo pela raiz.