Título: Desacerto sobre Alca ameaça sucesso da Cúpula das Américas
Autor: Denise C. Marin, Ariel Palacios e Marina Guimarães
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2005, Nacional, p. A12

Com negociações paralisadas há pelo menos 16 meses, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) tornou-se um fardo delicado na 4ª Cúpula das Américas. Os 34 presidentes do continente deveriam fechar o acordo final agora, mas não houve acerto nos últimos dois dias entre negociadores e chanceleres sobre o parágrafo 9 da Declaração de Mar del Plata. Com isso, a decisão sobre o imbróglio caberá hoje aos presidentes.

Por causa do desacerto, é alto o risco de esta ser a primeira Cúpula das Américas sem um documento final e, portanto, marcada pelo fracasso. Anteontem, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai tumultuaram as negociações ao defender, em nome do Mercosul, uma versão para o parágrafo que trata da Alca próxima à da Venezuela, que simplesmente jogaria uma pá de cal no processo. "Se pudrió todo", resumiu um diplomata uruguaio com a expressão em espanhol equivalente a "danou-se tudo", em português.

DIVISÃO

Nesse "quilombo" - gíria argentina para confusão - há três forças. De um lado, os Estados Unidos de George W. Bush - que chegou ontem à noite em Mar del Plata - e 27 países. De outro, a Venezuela de Hugo Chávez, que repudia a Alca e propõe, em parceria com Cuba, a Alternativa Bolivariana das Américas.

No meio do tiroteio estão Lula e Néstor Kirchner, da Argentina, anfitrião da cúpula. Eles discordam do modelo dos EUA para a Alca, mas não lhes interessa ter rusgas com Bush neste momento chave de uma negociação mais relevante, a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Kirchner encontra-se com Bush hoje. Lula receberá o presidente americano no domingo.

Lula e Kirchner tampouco querem se comprometer com a retomada da Alca com data marcada. Apoiado por EUA e 26 países, o México insiste que, no parágrafo sobre a Alca, seja mencionado claramente o compromisso de realizar reunião ministerial em abril de 2006, para retomada das negociações.

Ontem, na reunião de chanceleres, a ausência do ministro Celso Amorim foi percebida como sinal de despeito do governo brasileiro para com as discussões da cúpula. Nem o secretário-geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, foi enviado para substituí-lo. Amorim e Guimarães são reconhecidos opositores da Alca.

O chanceler do Canadá, Pierre Pettigrew, mantinha-se ainda otimista ontem com relação a um texto que indicasse a retomada das negociações. Para ele, esse movimento será decisivo no combate à pobreza por meio do crescimento econômico e da criação de empregos. "Lógico que a Alca tem de estar na declaração", afirmou.

A discussão em Mar del Plata reproduz o "quilombo" das últimas cúpulas. O governo brasileiro só aceitou ir à extraordinária de Monterrey, no México, em 2004, sob a condição de que a Alca não fosse discutida. Lula voltou ao Brasil depois de assinar texto final que previa a conclusão da Alca no prazo definido - janeiro de 2005 - e o respeito à chamada fórmula de Miami ou Alca à la carte. A fórmula previa a busca de consensos dos 34 países sobre os nove capítulos da Alca, mas sem compromissos profundos. Numa segunda esfera, os países poderiam fechar acordos bilaterais.