Título: Caixa só empresta 1% do dinheiro disponível para saneamento
Autor: Ribamar Oliveira e Vânia Cristino
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2005, Economia & Negócios, p. B10

O governo dispõe de R$ 2,7 bilhões em recursos do FGTS para financiar obras de saneamento este ano, mas até o último dia 20 só tinha emprestado 1,23% desse total - R$ 33,4 milhões - por meio da Caixa Econômica Federal. O restante está retido num emaranhado de normas técnicas, limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e burocracia, que impede o governo de iniciar projetos em uma área que ele próprio escolheu como prioridade. O Ministério das Cidades, responsável pela área de saneamento, enfrenta a resistência da área econômica para remover esses entraves. Nos dois primeiros anos do governo Lula foram assinados contratos de R$ 3,59 bilhões, desempenho que animou o setor. Mas, mantidas as restrições atuais, o setor de saneamento teve uma "bolha de crescimento" em 2003 e 2004, avaliou um grupo de trabalho criado em março para propor medidas que agilizassem o uso dos recursos do FGTS.

O secretário nacional de Saneamento Ambiental, Abelardo de Oliveira Filho, acha que o quadro pode mudar. Informou que existe um limite de crédito de R$ 700 milhões, autorizado pelo CMN, para ser contratado ainda este ano por operadoras públicas de saneamento. "A seleção de pedidos foi aberta recentemente." Segundo ele, as novas operações de crédito, com recursos do FGTS, também serão feitas pela Caixa.

A situação que o País vive é paradoxal. Os recursos do FGTS para o saneamento estão disponíveis, mas a maioria dos operadores públicos não pode fazer novas dívidas e as regras do CMN limitam novas contratações pela Caixa.

Em setembro, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, apresentou estudo à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que mostrava a existência de R$ 3,15 bilhões em recursos disponíveis (incluindo aí os do FGTS e do Orçamento da União) para novas contratações na área de saneamento básico e um saldo de mais de R$ 3 bilhões para obras já contratadas.

O estudo da CBIC propunha a flexibilização dos limites impostos pelo CMN para a Caixa operar os recursos do FGTS. Se isso for impossível, a entidade pedia ao governo que autorizasse outros agentes públicos, inclusive o BNDES, a fazer operações para saneamento.

O grupo de trabalho do FGTS concluiu que a possibilidade de executar o orçamento de 2005 "fica restrita aos operadores privados, cuja presença no setor é pouco significativa". Dos R$ 640 milhões disponíveis, só uma empresa solicitou crédito de R$ 92 milhões para tratamento de resíduos sólidos.

Atualmente, os maiores investimentos no setor são feitos pelos próprios operadores dos serviços de saneamento básico com recursos da cobrança de tarifas. Segundo o secretário, os operadores investiram R$ 1,7 bilhão em 2003 e R$ 2 bilhões em 2004. Este ano, os investimentos devem ficar em R$ 2 bilhões.

Mas isso ainda é pouco. Um estudo do Banco Mundial concluiu que o Brasil precisaria investir R$ 8,9 bilhões por ano, por 20 anos, para universalizar os serviços de saneamento. O Plano Plurianual de Investimento 2004/2007 prevê a aplicação de R$ 3,3 bilhões por ano no setor, com orçamento do BNDES e do FGTS. Mas as contratações no BNDES não atingem R$ 500 milhões.

As dificuldades financeiras são agravadas pela inexistência de um marco regulatório para o setor. Sem isso, é difícil que ocorram investimentos expressivos com as parcerias público-privadas, um dos instrumentos que podem contribuir para a universalização dos serviços.