Título: Guerra à austeridade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2005, Notas e Informações, p. A3

Vem aí um ano de gastança eleitoral, a julgar pela encarniçada resistência, dentro do governo, à proposta de ajuste fiscal de longo prazo apresentada pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Antonio Palocci. A oposição ao plano é liderada pela chefe da Casa Civil da Presidência da República, ministra Dilma Rousseff, integrante do grupo mais envolvido no projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao usar as palavras "rudimentar" e "desqualificada" para classificar o plano e sua discussão, a ministra levou a polêmica a um nível inaceitável em qualquer governo razoavelmente organizado - a menos que tenha refletido, em suas declarações ao Estado, publicadas na quarta-feira, a posição do presidente Lula.

Nesse caso, o líder da minoria na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), terá bom fundamento para sua suspeita: o chefe do governo, disse ontem o parlamentar, pode estar propenso a "rifar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, como fez com o ex-ministro José Dirceu".

A resposta pode ser negativa, mas, ainda assim, outra suspeita permanece: estará o presidente disposto a rifar um compromisso mais sério com a boa gestão das contas públicas? Apesar de suas repetidas promessas de que não fará isso, a desconfiança é inteiramente justificável.

A resistência da ministra Dilma Rousseff e de vários de seus colegas a qualquer meta fiscal mais ambiciosa é reveladora de uma única preocupação: aproveitar o provável aumento de receita, em 2006, para uma expansão de gastos ainda maior que a deste ano. Gastar mais não significa, necessariamente, aplicar o dinheiro de modo mais produtivo e mais benéfico para o País. Mas pode ser uma estratégia eficiente e fácil para conquistar votos.

Em 2005, a despesa federal continuou a crescer mais velozmente que a economia, embora o superávit primário - o resultado fiscal sem o pagamento de juros - tenha sido maior, até agora, que o programado oficialmente. O governo poderia, portanto, ter trabalhado explicitamente por um objetivo fiscal mais ambicioso sem gastar menos que no ano anterior.

Também nos próximos anos será possível obter um superávit primário próximo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), sem reduzir o total dos gastos. Essa possibilidade foi mostrada por especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Por esse caminho o governo poderá reduzir mais velozmente o peso da dívida pública. Mas será necessário mudar a estrutura da despesa e elevar sua qualidade.

É essa a base do plano defendido pelos ministros do Planejamento e da Fazenda. Seria necessário, provavelmente, refinar a proposta. Além disso, será preciso defendê-la politicamente e isso pode ser difícil nas condições atuais.

Mas nenhum dos argumentos apresentados pela ministra Rousseff, na entrevista ao Estado, resiste a um mínimo de crítica. Para começar, as linhas gerais do plano são tecnicamente defensáveis e foram preparadas por economistas de reconhecida competência.

Em segundo lugar, governos competentes devem cuidar, ao contrário do que sustenta a ministra, de projetos de longo prazo. Hoje o Brasil desfruta de razoável estabilidade econômica e financeira, alardeada muitas vezes pelo presidente Lula. Mas isso não teria sido possível sem a desindexação da maior parte dos preços, sem a Lei de Responsabilidade Fiscal e sem a renegociação das dívidas de Estados e municípios.

Pelo critério da ministra, nenhuma dessas medidas teria sido tomada, pois ninguém poderia prever, com certeza, as condições políticas e a disposição do povo na década seguinte. Ninguém poderia ter "combinado com os russos"...

Um plano fiscal de longo prazo seria um fator de segurança e um recado altamente positivo para os investidores, tanto estrangeiros quanto nacionais. Um projeto dessa natureza seria um dos melhores legados para o próximo governo, talvez chefiado pelo presidente Lula, hoje empenhadíssimo na luta pela reeleição. Os ministros mais empenhados na campanha, no entanto, já opinaram sobre o assunto: eleição não combina com interesses nacionais de longo prazo.

Ninguém mais neste país tem motivos para acreditar na palavra do presidente. Mas, em seus comícios eleitorais de cada dia, o presidente Lula tem afirmado exatamente o contrário.