Título: O governo não perde tanto
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2005, Notas e Informações, p. A3

A derrota sofrida pelo governo no Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional o aumento da base de cálculo e da alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS) que fez parte do ajuste fiscal decidido no fim de 1998, terá conseqüências sobre as finanças públicas, mas não cria o risco de uma crise fiscal no curto prazo, como se chegou a temer.

É preciso destacar que, no mesmo dia em que perdeu no STF, o governo obteve uma importante vitória no Superior Tribunal de Justiça (STF), que considerou extinto em 1983 o crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reivindicado até agora por empresas exportadoras. Quando estiverem concluídos os cálculos corretos dos efeitos dessas decisões sobre a arrecadação tributária, é provável que se constate que, financeiramente, o governo acabou ganhando.

Ao derrubar o artigo da Lei 9.718/98 que ampliou a base de cálculo da Cofins e do PIS, o STF corrigiu o que os especialistas chamam de vícios constitucionais da lei. Por ser lei ordinária, ela não poderia impor mudanças que, pela Constituição, só poderiam ser feitas por lei complementar.

O governo tentou corrigir esse vício com a Emenda Constitucional 20/98, mas esta foi promulgada 20 dias depois da publicação da Lei 9.718. A questão era se a emenda constitucional pode convalidar uma lei inconstitucional anterior, mesmo que esta só surtisse efeito após a mudança constitucional. O STF decidiu, por 6 votos a 4, que não pode.

O governo terá de devolver o dinheiro recolhido a mais pelos contribuintes que, entre 1999 e 2002 (quando novos textos legais eliminaram a dúvida), pagaram os tributos de acordo com a Lei 9.718. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) divulgou cálculos segundo os quais, se todos os contribuintes tivessem recolhido o PIS e a Cofins de acordo com as novas regras, a arrecadação seria de R$ 29 bilhões. Essa, em tese, seria a quantia a ser devolvida.

Mas a maior parte dos grandes contribuintes havia recorrido à Justiça e obtido liminares para não pagar os tributos aumentados. Não tem direito, pois, à devolução. E os que pagaram a mais terão de recorrer à Justiça para recuperar o recolhimento indevido. E isso se fará ao longo do tempo. Por isso, de acordo com advogados tributaristas, o impacto fiscal da decisão do STF será muito menor do que os números apresentados pela PGFN.

Também no caso do crédito-prêmio do IPI, julgado pelo STJ, o governo apresentou valores muito elevados. Entre os argumentos que apresentou em sua defesa, informou ao STJ que estava em disputa uma quantia de R$ 80 bilhões. É provável que o valor esteja superestimado, mas é inegável que o governo, vitorioso nessa questão, terá um aumento expressivo de receitas.

Criada pelo regime militar em 1969 para estimular as exportações, a medida garantia às empresas exportadoras prêmio correspondente a 10% das exportações. Por causa de pressões internacionais, o benefício foi sendo reduzido paulatinamente a partir de 1979, até ser extinto em 30 de junho de 1983. Mas documentos legais posteriores continuaram a tratar desse benefício tributário, o que reforçou a tese das empresas que defendiam sua validade.

"O próprio Executivo continuou legislando como se o crédito existisse", alegou o ministro do STJ João Octávio de Noronha ao votar contra a tese do governo, que considerava extinto o benefício. Já o ministro Luiz Fux, que relatou o caso, disse que não existe na legislação qualquer dispositivo que assegure a vigência do benefício. Esta foi a tese vencedora na Primeira Seção do STJ, por 5 votos a 3.

Com essa decisão, o STJ contraria outras que, até o ano passado, vinha tomando, sempre em favor das empresas. Por isso, alguns tributaristas a consideraram um retrocesso e uma ameaça à segurança jurídica. Mas, como justificou o ministro Francisco Falcão, que votou a favor da tese do governo, "a decisão do Judiciário não pode prever um benefício que não foi estabelecido pelo legislador".