Título: Lula pode mesmo desistir
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2005, Nacional, p. A6

Presidente só faz questão de ter a iniciativa da decisão e não aceitará imposições De tanto falar uma coisa e fazer outra, o presidente Luiz Inácio da Silva acabou nos acostumando a não levar ao pé da letra o que diz. Às vezes, porém, convém acreditar em sua excelência.

É o caso da possibilidade de Lula não se candidatar à reeleição, várias vezes explicitada por ele e de novo repetida na entrevista de segunda-feira, mas imediata e prontamente acreditada em seu sentido contrário.

O presidente não apenas leva a hipótese a sério, como pensa nela desde o início do governo. Com a crise, evidentemente, o assunto ganhou força ao ponto de Lula já ter discutido isso com mais de um ministro e em rodas não muito fechadas sob a ótica da opção melhor para sua biografia.

Auxiliares de primeiro escalão preferem não apostar ainda nem na manutenção nem na desistência da candidatura e alertam que conviria, a quem pretende acompanhar de perto o processo eleitoral, não descartar nenhum dos dois caminhos.

Lula já discutiu inclusive um cenário em que o PT não teria candidato e ele daria apoio ao ministro Ciro Gomes, do PSB. O problema aí seria o PT, que dificilmente aceitaria abrir mão de disputar com candidatura própria, sustentando nomes como Aloizio Mercadante ou Tarso Genro.

Não desagrada ao presidente, no entanto, o fato de uma possível desistência ser recebida com incredulidade. Isso significa que há reconhecimento de sua força política e contribui também para manter acesa a chama da expectativa de sua continuidade no poder.

Lula pode até vir a não disputar uma reeleição, se ela for uma batalha realmente perdida. Mas daí a dizer que o presidente da República aceita de bom grado sair do jogo desde já vai uma distância enorme.

Diversos fatores pesarão na decisão de Lula. Dois ele mesmo antecipou de público: apoio popular consistente e formação de aliança partidária ampla o bastante para lhe dar condições mínimas de disputar bem e governar com maioria depois.

Outro dado a ser levado em conta por ele são os movimentos da oposição. No auge da crise, há três meses, Lula manifestava forte tendência a não se candidatar, mas mudou de posição em virtude de um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lhe dando conselhos para abrir mão da reeleição.

Mesmo correndo o risco de fazer o jogo do inimigo, Lula está disposto a ir em frente e disputar, se a oposição fizer pouco das suas chances de vitória, pesando a mão no discurso de que ele não deve se candidatar.

O presidente quer ter a prerrogativa de, se for o caso, desistir por iniciativa própria e não fazê-lo como resultado de um imperativo posto pelos adversários.

De um modo ou de outro, só dará sua palavra fina no prazo já anunciado de abril de 2006.

Liberdade geral

Os partidos, em sua maioria interessados em ficar livres para fazer as alianças eleitorais que bem entenderem no próximo ano, não desistiram de derrubar a regra segundo a qual as coligações locais devem acompanhar os acertos partidários feitos no âmbito nacional.

O fim da chamada verticalização está sendo articulado na Câmara para a semana que vem, com feriado e tudo. A idéia é votar emenda constitucional retirando o caráter nacional dos partidos - item da Constituição que sustenta a norma da uniformidade das alianças - na próxima sexta-feira.

O assunto é de interesse primordial dos políticos, mas, para dar uma satisfação à opinião pública, os deputados querem votar antes uma alteração no regimento interno da Câmara para restringir a prática do troca-troca entre partidos.

Dois gumes

De um modo geral, governistas e oposicionistas concordam que, do ponto de vista das investigações, a CPI dos Correios teria mesmo de ser prorrogada, porque há ainda muito a ser apurado.

Sob o aspecto político, entretanto, há divergências principalmente quanto aos prejuízos que a extensão dos trabalhos até abril podem render ao governo.

À primeira vista a desvantagem parece estar do lado do Palácio do Planalto. Mas há avaliações de que o PT, no fundo do poço, nada mais teria a perder a não ser a consolidação de seu desgaste.

Já a oposição, notadamente o PSDB, correria o risco de assumir o posto de bola da vez daqui em diante, em virtude do aprofundamento das investigações sobre a amplitude do esquema Marcos Valério no tempo e no espaço.

Portanto, no balanço de perdas e ganhos, por esse raciocínio o PSDB poderia não vir a auferir só vantagens eleitorais da prorrogação.

Virada

Impressiona a desenvoltura com que governistas de primeiríssimo escalão passaram nos últimos dias a abordar os constrangimentos enfrentados pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Deixou definitivamente de ser tabu considerar a possibilidade da saída de Palocci do ministério por causa das denúncias de corrupção na prefeitura de Ribeirão Preto.