Título: Proposta de expulsão coloca fogo no debate
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2005, Internacional, p. A18

A expulsão de 120 jovens estrangeiros da França por terem participado dos distúrbios das últimas duas semanas, anunciada pelo ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, está contribuindo para pôr mais lenha na fogueira. A proposta de expulsar estrangeiros, ainda que condenados pela Justiça, está provocando forte reação em mais de 30 associações de defesa de direitos humanos, sindicatos e partidos da oposição. Os verdes, comunistas e a extrema esquerda denunciam a iniciativa que representa o restabelecimento da chamada "dupla pena" que o próprio ministro havia revogado recentemente. Nem mesmo o presidente Jacques Chirac tem utilizado essa linguagem. Ao receber ontem o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, Chirac justificou o estado de emergência. "A prioridade continua sendo o restabelecimento da ordem pública", disse Chirac. Os advogados do conselho da ordem consideram a expulsão inaplicável, lembrando que ela não é sustentável diante da ausência de base jurídica.

Essa posição é apoiada pela ONG SOS Racismo e pelas demais associações que distribuíram um comunicado: "Além da ilegalidade manifesta dessa decisão, Sarkozy continua tentando transformar o estrangeiro em bode expiatório." O Ministério do Interior reagiu afirmando que, em caso de ameaça à ordem pública, a lei faculta a autoridades locais aplicar a medida, mesmo reconhecendo que "jurídica e politicamente" não se trata de uma iniciativa fácil.

Os anúncios de medidas repressivas de Sarkozy estão fazendo escola. O deputado da maioria governamental, Jean-Paul Garaud, anunciou que vai propor uma lei dando aos tribunais a possibilidade de "cassar a nacionalidade francesa" dos estrangeiros naturalizados que "participaram da recente guerrilha urbana". Segundo ele, esses elementos procuraram destruir a nação francesa e manifestam sua rejeição à França.

A polícia confirma a queda do nível da violência nas últimas horas. Na noite de quarta-feira e madrugada de ontem, foram incendiados 482 veículos em comparação aos 617 do dia anterior. Na noite de ontem, entre 18 e 22 horas, a polícia havia registrado a destruição de 70 veículos em comparação aos 86 do mesmo período da noite anterior. Apesar da clara redução dos incidentes, a polícia teme que pequenos deslizes possam relançar a violência no país, após a detenção de quase 2 mil pessoas para averiguações. Desse total, 650 suspeitos permanecem presos e à disposição da Justiça. Em compensação, oito policiais foram suspensos e deverão responder a inquérito por terem agredido dois menores, de 12 e 13 anos, diante das câmeras de uma equipe da televisão francesa. Essa cena foi exibida em diversas emissoras européias.

Uma outra medida foi a proibição em Paris da venda de gasolina em pequena quantidade, cujo objetivo é impedir a fabricação de coquetéis molotov.

O custo dos prejuízos estimado pelas companhias de seguros é de 200 milhões - 20% dos quais correspondem à indenizações dos veículos incendiados. No total, foram queimados mais de 6 mil veículos.

A demora na solução da crise começa a levar os economistas a temer pelo processo de recuperação do país - nos últimos meses o crescimento econômico tem apresentado índices muito acima dos esperados.