Título: Ordem é apressar obras no fim do ano
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2005, Economia & Negócios, p. B3
A edição da Medida Provisória 266 faz parte do esforço do governo para acelerar os investimentos neste fim de ano e início de 2006, de olho no calendário eleitoral. É também parte de um conjunto de liberações de verbas anunciados nos últimos dias, em meio ao tiroteio entre governo e oposição. A MP de ontem contém um agrado ao prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), que receberá R$ 75 milhões para um corredor rápido dos ônibus que ligam o Parque Dom Pedro II, no centro da cidade, e Cidade Tiradentes, na periferia. Vai também contemplar com R$ 140 milhões a Ferrovia Norte-Sul, um projeto criado no governo José Sarney que se transformou na menina dos olhos da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
O destino do R$ 1,23 bilhão liberado anteontem ainda não está definido. No discurso, o dinheiro vai para projetos prioritários, escolhidos após as conversas de Dilma e do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com seus colegas. Há, porém, chances de que as verbas atendam a algumas emendas de parlamentares,já que são crescentes as queixas da "insensibilidade" da área econômica.
Nos bastidores, foram inúmeros os sinais de boa disposição do governo de abrir o cofre. Segundo técnicos, o Ministério da Fazenda estaria preparando a liberação, para os Estados, dos R$ 900 milhões que os governadores reivindicam para compensar perdas de arrecadação de ICMS decorrentes da Lei Kandir.
O governo também teria acenado positivamente às prefeituras. Após reunir-se esta semana com o ministro Antonio Palocci, os prefeitos informaram terem arrancado a promessa de repassar os recursos referentes à arrecadação do Refis e do Paes. Eles reivindicam R$ 1,1 bilhão. Refis e Paes são dois programas de parcelamento de débitos dos contribuintes com a Receita e a Previdência. Com eles, o governo federal conseguiu recuperar dívidas do Imposto de Renda e do IPI.
Cerca de metade da arrecadação desses dois tributos tem de ser dividida com Estados e municípios, por meio dos Fundos de Participação, como manda a Constituição. A União não repassou o dinheiro, alegam os prefeitos. O governo federal também estaria devendo R$ 1 bilhão aos Estados.
A generosidade atingiria ainda o pessoal do Legislativo. Segundo técnicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria garantido ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), os recursos necessários para o reajuste de 15% concedido este ano aos funcionários do Congresso. Com garantia ou não, o fato é que ontem Renan afirmou que pagaria o reajuste, a menos que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrube a decisão.
O STF analisa o aumento salarial por iniciativa do Ministério do Planejamento, que entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o reajuste. O temor de Bernardo é que o reajuste de 15% do Legislativo seja estendido aos demais poderes.
Os empresários de telecomunicações também receberam sinal positivo. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, afirmou que Lula se comprometeu a não bloquear em 2006 os R$ 600 milhões referentes à arrecadação do Fust, fundo destinado à universalização da telefonia.
Em meio a tantas concessões, os empresários passaram a pressionar a favor de um novo programa de parcelamento de dívidas tributárias. A proposta tem apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Fiesp. Eles querem incluir essa mudança na MP 258, que cria a Super-Receita e está em análise no Senado.
ERRO: A prática do governo de segurar muito os investimentos no início do ano e liberar mais recursos no fim do exercício tem sido exagerada, afirma o consultor financeiro Amir Khair, especialista na área de finanças públicas, que defendeu ontem as críticas da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em entrevista ao "Estado".
Para ele, o problema maior está na taxa Selic elevada, que mata o orçamento do País. "É um erro grotesco a crença de que a Selic controla a inflação", avalia o consultor, calculando que a conta do governo com o pagamento de juros deve ficar perto de R$ 170 bilhões este ano. "Isso reduz o orçamento. É por isso que não sobra dinheiro para investir em obras prioritárias."
Para o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria Integrada, o investimento público no Brasil está caindo dramaticamente e deve fechar o ano em 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Antes da Constituição Federal, essa relação era de 3%.
"Além dos poucos recursos que o governo tem para investir, ainda há problemas de dificuldades ambientais e judiciais, que atrapalham o andamento dos projetos", afirma ele. "Mas há também muita ineficiência nesse governo. O investimento público hoje representa menos de 10% do déficit da Previdência."