Título: Brasil e UE terão uma reunião extra
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2005, Economia & Negócios, p. B8

DESCONFIANÇA : O diretor-gerente do FMI, Pascal Lamy, pediu ontem ao chanceler brasileiro, Celso Amorim, que seja " razoável " e pare de trocar farpas pela imprensa com os europeus. Também pediu que os dois voltem a negociar com o "espírito calmo". Lamy ainda pediu que a confiança entre os negociadores seja restabelecida e reafirmou que a Rodada Doha precisa ser concluída até 2006. Lamy também sugeriu a Amorim que as ofertas tenham base em números reais de cortes de tarifas e que cada país faça simulações do quanto irá ganhar ou perder com as propostas. A esperança, portanto, é chegar a Hong Kong pelo menos com uma agenda mínima. O debate fica, então, restrito ao que será incluído na declaração de Hong Kong para salvar a imagem da OMC.Uma das opções é aprovar um texto que estabeleça opções para que os países possam tomar as decisões depois.

Outra forma de mascarar o fracasso da OMC em Hong Kong será a aprovação de medidas para desenvolver os países mais pobres. Amorim não recusou, mas deixou claro que isso não será suficiente para que a rodada seja um êxito.

No final, Lamy acabou colaborando para o clima tenso ao pedir aos vice-ministros que deixassem as reuniões onde só houvesse ministros. Como vários países haviam enviado só vice-ministros, houve confusão. Representantes da Argentina e da China deixaram a sala bastante insatisfeitos e prometendo cobrar um preço por isso.

Diante dos estragos provocados pela crise nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil e a União Européia (UE) voltam a se reunir amanhã em um encontro de emergência em Roma para tentar desfazer pelo menos parte do mal-estar.

A Europa já deixou claro, porém, que o encontro não servirá para que Bruxelas apresente novas propostas de liberalização do setor agrícola, como quer o Brasil.

"Será uma reunião política, não técnica", afirmou Peter Power, porta-voz do comissário de Comércio da UE, o britânico Peter Mandelson.

Nos últimos dias, os países que fazem parte da OMC chegaram à conclusão de que não conseguirão fechar um entendimento sobre como deve ocorrer os cortes de tarifas e de subsidias para produtos industriais e agrícolas até a conferência ministerial de Hong Kong em dezembro.

Mas os debates em Genebra mostraram também que o chanceler Celso Amorim e o comissário Mandelson precisam voltar a estabeler uma relação de confiança se quiserem avançar as negociações.

Amorim deixou uma das reuniões na OMC acusando Mandelson de não negociar seriamente.

Já o europeu respondeu que o Brasil estava fazendo politicagem nas negociações comerciais.

O ponto central da discórdia entre o Brasil e a União Européia é a questão de acesso à mercado. Os europeus ofereceram um corte de somente 39% de suas tarifas para a importação de bens agrícolas dos países em desenvolvimento e exigiu cortes de até 75% das tarifas de importação de bens industriais do Brasil.

TONY BLAIR

O Itamaraty então sugeriu que os europeus aceitassem um corte de 54% em suas tarifas e, em troca, o País poderia oferecer uma abertura de 50% em suas taxas de importação de produtos industriais.

A decisão do Brasil de fazer tal proposta ocorreu depois que Amorim se reuniu com o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, na segunda-feira em Londres.

O líder britânico indicou ao Brasil que, se houvesse uma sinalização da parte dos países emergentes de que poderiam abrir seus mercados para os produtos industriais europeus, Bruxelas poderia mostrar flexibilidade nas negociações agrícolas.

Mas para a surpresa do Itamaraty, Mandelson não reagiu à proposta do Brasil quando foi feita e afirmou à imprensa que a oferta sequer existiu. Furioso, Amorim disse a jornalistas na terça-feira que não acreditava que o europeu fosse surdo.

Coube ao diretor-geral da OMC, o francês Pascal Lamy, confirmar ontem que de fato o Brasil sinalizou com uma proposta.

"Ouvi que o Brasil estava disposto a aceitar cortes reais se isso fosse feito de forma proporcional aos cortes em outras áreas", confirmou Lamy.

Da parte do Brasil, a esperança do governo é de que, na reunião de Roma, seja finalmente dada a sinalização que havia prometido Tony Blair.

Entretanto os europeus não acreditam que isso vá se realizar.

Para complicar ainda mais a situação das negociações, a Confederação Agrícola da Europa esteve ontem em Bruxelas com o presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Barroso, para se queixar de que o bloco europeu já estava oferecendo mais que poderia em relação à mais abertura de seus mercados agrícolas.