Título: Vingança dos moradores é jogar lixo nos vagões
Autor: Rosa Bastos e Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Metrópole, p. C1

RIO - Marlene Rosa Quintanilha, a dona Maroca da Favela Parque Arará, ficou traumatizada com a morte do filho, atropelado por um trem. "Escutei a gritalhada e corri, desesperada. Mas não tive coragem de ir lá ver. O trem cortou o corpo dele. Eu não sabia que essa linha era ingrata, nem durmo mais à noite", diz. Marlene e Luciana Alves de Lima, de 16 anos, que protege a filhinha Camile do trem com um pedaço de madeira na porta, fazem parte de uma população estimada em mais de 2 mil pessoas que moram na favela à margem dos trilhos da malha da MRS Logística, no caminho para o porto do Rio.

O trem passa tão perto, que "poda" os galhos das árvores. A distância entre os dormentes e a entrada das casas não chega a meio metro. Quando uma composição chega, tocando intermitente o apito, é uma correria só. Mães gritando, gente sobre os dormentes. Por "vingança" ou comodidade, os moradores despejam todo o lixo das casas - em sacos plásticos ou não - dentro dos vagões. "Tem um funcionário só para limpar o trem", diz Raimundo dos Santos, da associação de moradores.

A contratação de um "limpador de carga" é o mais leve dos prejuízos causados às concessionárias pelas invasões de faixa de domínio das ferrovias. Sérgio Carrato, gerente de Arrendamento e Patrimônio da MRS, estima a perda, somente nesta concessão, em R$ 60 milhões anuais. "Não há como transportar carga de maior valor nestes trechos, por causa da segurança", diz. E mais: "Além de depósito de lixo, os vagões também servem à desova de cadáveres. "Parece surreal, mas é verdade."

Convênio entre a prefeitura do Rio e os Ministérios das Cidades e dos Transportes prevê a remoção de 290 famílias da Arará, com liberação de R$ 4,7 milhões para indenizar ou levar os moradores para habitações já em construção.